Aos 48 anos, o vendedor Lino Francisco Faccina, 63, de Atibaia (a 65 km de São Paulo), recebeu três notícias ao mesmo tempo que o deixaram atordoado: tinha hepatite C, um câncer de fígado e precisaria de um transplante do órgão. Logo depois, ele se tornaria o primeiro transplantado da Santa Casa de São José dos Campos (SP), uma das referências do interior paulista.
"Tive que encarar a coisa de frente. Não tive problema nenhum de rejeição em relação ao fígado, parece que ele nasceu ali. Tenho uma vida 100% normal", conta.
Nesta quarta (12), a instituição celebra o marco de 500 transplantes de fígado feitos pelo hospital e vai homenagear pacientes e equipe médica em um evento no auditório Humanitas, da Faculdade de Ciências Médicas de São José dos Campos.
A proposta do evento também é chamar a atenção para a importância da doação de órgãos, ato que pode ajudar a salvar até oito vidas, mas que encontra resistência de muitas famílias com a recusa.
Segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, em média, 45% das doações no Brasil não se concretizam devido à negativa dos familiares. Isso faz com que cerca de 3.000 pessoas morram por ano enquanto aguardam a cirurgia
Na Santa Casa de São José dos Campos, 48 pessoas esperam pelo transplante de fígado. "Poderíamos zerar essa fila. Temos estrutura, temos pessoal, mas falta fígado para ser transplantado", afirma o provedor da instituição, Ivã Molina.
Segundo ele, o hospital já fez campanhas com o intuito de incentivar a doação de órgãos, mas a repercussão é mínima. "Essa iniciativa deveria estar mais na agenda dos governos estadual e federal", diz.
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Financiado pelo governo federal, o programa de transplante de fígado da Santa Casa teve início em 2009, o que levou a instituição a investir em equipamentos, exames laboratoriais, protocolos assistenciais e treinamento das equipes.
"Além de benefício para o paciente, a iniciativa trouxe crescimento para o hospital tanto na parte organizacional quanto de profissionais e de tecnologia", explica Jorge Padilha, coordenador do setor de transplantes hepáticos da Santa Casa de São José dos Campos.
Hoje, o serviço é o único do interior que faz transplantes de fígado intervivos e transplantes duplos. Em 2024, a taxa de sobrevida dos transplantados foi de 91%, bem acima da média dos serviços do interior paulista (71%), e do estado com um todo (77%).
"São pacientes do SUS [Sistema Único de Saúde] que têm uma oportunidade de voltar à sua vida normal, voltar ao trabalho, voltar para suas famílias."
Nesses 15 anos de transplantado, Lino Faccina diz que muitos valores na sua vida mudaram. "A cabeça muda completamente. Você prioriza a sua qualidade de vida mais do que tudo. Se eu não estiver bem hoje, a possibilidade de estar pior amanhã é grande", diz.
O câncer que motivou o transplante de Faccina foi associado à infecção da hepatite C, doença que ele desconhecia na época. "Não sentia nada, não tinha sintoma, não tinha dor."
Para Padilha, uma das razões de o índice de sobrevida dos transplantados de fígado do serviço ser compatível aos melhores centros brasileiros e internacionais está no fato de o paciente, uma vez qualificado para o transplante, começa a ser acompanhado antes mesmo da cirurgia.
"Os pacientes têm ao seu dispor o médico em horário e data marcada, todos os exames, os de sangue, as tomografias e ressonâncias necessárias para estadiamento [processo de avaliar a localização e a extensão de um tumor] dos tumores."
Depois do transplante, ele continua sendo seguido no ambulatório. "Se o paciente é transplantado e não é bem acompanhado, vai complicar, vai reinternar, e tem mais risco de morte porque os imunossupressores aumentam o risco de infecção."
A taxa de reinternação, ou seja, de o paciente voltar a ser internado no período de 30 dias por alguma complicação, está em torno de 5%, índice também compatível aos melhores centros transplantadores.
"As reinternações, geralmente, são precoces, acontecem nos três primeiros meses. O paciente infecta, descompensa alguma parte cardíaca, pulmonar, essas coisas", explica Padilha.
Por isso, ele reforça a importância dos retornos precoces. No primeiro trimestre após o transplante, eles acontecem semanalmente, depois a cada 15 dias e, por fim, a cada três meses. "Eu sempre falo com os pacientes: 'agora temos que calibrar a máquina'. Temos que ir aos pouquinhos acertando os remédios."
Em 2024, os hospitais filantrópicos brasileiros foram responsáveis por 66,6% dos transplantes de fígado; 71,35% dos de rim e 67,14% dos de medula óssea, segundo dados da plataforma Numb3rs, que faz análises do setor a partir de informações do DataSus.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde