Vale uma salva de palmas para a Nasa. Com o título discreto "Cientistas do rover Perseverance encontram intrigante rocha marciana", o JPL (Laboratório de Propulsão a Jato da agência espacial americana) anunciou na última quinta-feira (25) o que pode muito bem ser evidência direta da existência de vida microbiana no passado do planeta vermelho. Mas, veja bem, pode não ser também.
Estamos falando de uma rocha apelidada de Cheyava Falls, encontrada neste mês, que apresenta um estranho padrão de manchas em sua superfície. O rover, operando desde fevereiro de 2021 na cratera Jezero, usou todos os seus instrumentos para analisar a composição da rocha, num esforço para detectar potenciais resquícios que indicassem a presença de vida.
O resultado: a rocha exibe estruturas e assinaturas químicas que poderiam ter sido formadas por vida há bilhões de anos, quando a região continha água corrente. Mas a equipe apenas começou a analisar os dados e não descarta no momento outras explicações.
O uso do espectrômetro Raman do veículo, chamado Sherloc, permitiu a detecção de compostos orgânicos na rocha, tidos como a base para a vida como a conhecemos. Além disso, as manchas na rocha indicam reações químicas que poderiam alimentar vida microbiana e há evidência mineralógica clara de que a rocha esteve exposta à água. Em resumo, tudo que a vida precisaria para sobreviver ali esteve disponível no local em algum ponto do passado remoto.
Apesar de classificarem a rocha recém-descoberta como a mais importante já encontrada pelo Perseverance, os cientistas da Nasa ainda não estão prontos sequer para publicar um estudo completo sobre os resultados, que dirá para dizer que detectaram evidências de vida em Marte. A Nasa adota uma escala de sete degraus para a detecção de vida extraterrestre, e o atual achado está apenas no primeiro deles: "detectar um possível sinal". Depois dele, seria preciso descartar contaminação (parece a caminho), confirmar que biologia é uma possível explicação (difícil), descartar fenômenos não biológicos (mais difícil ainda), detectar um sinal independente (sem previsão no momento), descartar outras hipóteses (não passamos nem da primeira) e realizar confirmação independente (não vai ser fácil).
É por conta dessa longa e árdua caminhada que muitos cientistas acreditam que a detecção de vida em lugares como Marte só acontecerá, se um dia acontecer, depois que amostras sejam trazidas de lá e analisadas de forma independente em vários laboratórios espalhados pelo mundo. Afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias, como já dizia Carl Sagan.
Um dos objetivos do Perseverance é colher essas rochas promissoras, e ele já colocou um pedaço da Cheyava Falls em um tubinho, para ser resgatado por uma futura missão de retorno de amostras, em fase de planejamento (cercada de incertezas, é verdade) numa parceria entre Nasa e ESA (Agência Espacial Europeia). Se rolar, é para meados da década de 2030.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, na Folha Corrida.
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