Diante das próprias dificuldades em repor cerca de 20 mil servidores aposentados e mortos —tamanho do esvaziamento que ocorreu nos últimos dez anos —, de reduzir a fila de espera, de pôr fim à greve e de iniciar a operação pente-fino, o governo Lula arrumou uma solução pragmática para combater irregularidades no âmbito do INSS: criar uma lei que autoriza o corte sumário nos benefícios previdenciários, sem oportunizar contraditório ou ampla defesa.
Como é muito oneroso contratar servidores e resolver os inúmeros problemas entranhados no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), não há a menor dúvida de que resolver tais demandas com uma canetada é muito melhor. Pelo menos, nutrir esta ilusão.
Imbuído desse espírito, o presidente Lula (PT) usou sua caneta para dar vida à Lei n° 14.973 que autoriza simultaneamente duas medidas antagônicas: um golpe na arrecadação previdenciária com a desoneração da folha e o aumento de receitas com o corte sumário dos benefícios.
A diminuição da contribuição previdenciária de empresas com a desoneração da folha de pagamento até o final de 2024 é um duro baque nos cofres da Previdência Social. A lei tira com uma mão e dá com a outra. Em contrapartida, a promessa de melhorar a arrecadação será com a autorização dada ao INSS ao "adotar medidas cautelares visando a conter gastos e prejuízos no pagamento de benefícios por ele administrados, decorrentes de irregularidades ou fraudes".
Na prática, o INSS poderá fazer "bloqueio imediato do pagamento e a suspensão do benefício" em casos de suspeitas de fraude.
Ninguém em sã consciência defende abusos no gasto público ou que fraudadores recebam benefício indevidamente do INSS, cuja sustentabilidade financeira é interesse nacional, seja por aposentados ou quem esteja na fase economicamente ativa.
Ainda que se faça vista grossa à flagrante inconstitucionalidade da recém-criada lei, que praticamente atropela o direito ao contraditório e à ampla defesa, outros aspectos merecem atenção. O primeiro é o perigoso precedente de contrabalancear os problemas históricos do INSS criando, como compensação, espécie de salvo-conduto para o corte de benefícios.
A criação de lei dando superpoderes aos servidores não necessariamente representará ganho qualitativo ao trabalho executado por eles. É que os problemas estruturais e administrativos do INSS seguem inalteráveis.
A precariedade do trabalho e a insuficiência dos servidores do INSS para tanta demanda continuarão. O reflexo de tanta litigiosidade, muitas vezes em razão de injustiças cometidas pelo Instituto, deságua no Judiciário. Conforme o relatório Justiça em Números 2024, o INSS responde por quase metade das demandas na Justiça Federal, com cerca de 3,8 milhões de casos, além da taxa de congestionamento da ordem de 62%.
Em outras edições de operação pente-fino, inclusive com meta financeira pré-estabelecida, a experiência tem mostrado que parcela significativa de aposentados convocados perdem seu benefício, estejam ou não cometendo fraude. A faca amolada do INSS nas operações pente-fino costuma atingir a multidão. Embora devesse, nem sempre há tanto rigor no bloqueio ou suspensão do benefício.
O ponto preocupante dessa nova medida é como os servidores do INSS, com o quadro reduzido, vão responder com afinco cada processo? Considerando que a meta orçamentária da operação pente-fino é proporcionar uma economia de R$ 2,3 bilhões, como se chegou a esse número antes do início da operação?
A míngua de um trabalho confiável, ao que tudo indica mais uma vez o Judiciário vai sofrer com a nova onda de aposentados que perderam seu benefício injustamente.