Ainda estou pasmo (e, para ser sincero, um tantinho amedrontado) com a leitura de "Cupim", romance da escritora espanhola Layla Martínez. Demorei um pouco para iniciar a leitura depois de recebê-lo, e não me parece impossível que algum miasma subconsciente de medo, emanando das páginas da obra, tenha sido o culpado, porque essa é uma das sensações quase primordiais que resumem o livro: medo. A outra, claro, é o ódio. Minha experiência com o gênero do terror não é das mais amplas (como talvez o leitor depreenda do que acabei de escrever, coragem não é o meu forte), mas não creio ter lido nada nem de longe tão aterrorizante quanto "Cupim" na minha vida.
Um dos protagonistas do livro é uma casa do interior espanhol, a qual, embora construída mais ou menos no começo do século 20, a julgar pela cronologia interna da narrativa, parece muito mais antiga do que isso (daí eu ter usado a reconstrução de uma casa pré-histórica espanhola, abaixo, para ilustrar este post).
O peso ancestral da opressão de classe e de gênero, e da rebelião contra ambas essas mazelas, é a argamassa que mantém a casa avoenga de pé e confere às suas ocupantes, quatro gerações de mulheres, tanto sua prisão quanto seu tipo peculiar de poder. Talvez o lema "Quanto mais as coisas mudam, mais elas continuam as mesmas" se aplique à situação de forma bastante precisa. Da época da Guerra Civil Espanhola até os dias de hoje, quase não se vê saída na narrativa. Quase.
Você deve ter reparado que estou evitando ao máximo dar "spoilers" aqui, até porque há uma série de mistérios macabros que vão se revelando aos poucos na trama. Outra coisa, também sem "spoilers", que chama muito a atenção é como o sobrenatural da história me pareceu curiosamente muito familiar.
O pano de fundo formado por benzedeiras, "santos" e "anjos" entremeados a feitiços e outros elementos do tipo não ficaria fora de lugar no Brasil de maneira nenhuma. Decerto é a similaridade cultural ibérica que traz essa impressão. Ao mesmo tempo, apesar da terminologia superficialmente católica, há algo de muito mais antigo que o cristianismo no mundo que a história retrata, o que, dada a herança indígena e africana do folclore brasileiro, também acaba nos aproximando da história.
Em suma, meus pesadelos acabam de ficar muito mais criativos depois da leitura.