A eventual retomada das obras de Angra 3 vai exigir um aporte imediato de até R$ 5,2 bilhões por parte de União e Eletrobras, os dois atuais acionistas da Eletronuclear, empresa responsável pela usina.
Desse valor, R$ 3,33 bilhões seriam injetados pelo Tesouro Nacional, enquanto outro R$ 1,87 bilhão sairia do caixa da Eletrobras. O valor dá uma dimensão do que está em jogo nas negociações da empresa privada, que tenta se desfazer de sua participação na Eletronuclear e, em consequência, da necessidade do desembolso.
O presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo, confirmou à Folha que os custos para financiar a conclusão da usina nuclear beiram os R$ 26 bilhões e antecipa que 15% a 20% desse valor precisarão vir de um aporte direto dos acionistas.
A divisão da fatura entre União e Eletrobras é proporcional à fatia de cada uma nas ações ordinárias da Eletronuclear, com direito a voto. A empresa privada responde por 35,9% das ações, enquanto a União, 64,1%.
Os outros 80% dos custos para concluir Angra 3 virão de financiamentos de longo prazo a serem obtidos no mercado. Embora os acionistas não precisem desembolsar o valor de forma imediata, eles precisarão dar garantias de pagamento para o caso de a empresa não quitar os contratos por conta própria.
Seguindo a composição acionária, a Eletrobras precisaria dar ao menos R$ 7,5 bilhões em novas garantias, para além dos R$ 6 bilhões pelos quais ela já pode responder hoje em caso de calote ou abandono da obra. A União, por sua vez, precisaria afiançar os outros R$ 13,3 bilhões em financiamentos.
Lycurgo reconhece que o custo é alto e que a decisão sobre retomar ou não a obra não será fácil. Mesmo assim, ele defende a conclusão do projeto, sob o argumento de que seria ainda pior não completar a usina.
"A pior obra de infraestrutura, principalmente uma de interesse nacional, é a paralisada. Porque só gera custo e não tem nada [de resultado]. Tudo que você gastou nela é custo, é gasto, não é investimento", diz.
A pior obra de infraestrutura, principalmente uma de interesse nacional, é a paralisada. Porque só gera custo e não tem nada [de resultado]. Tudo que você gastou nela é custo, é gasto, não é investimento
Ele destaca que a decisão não é entre R$ 26 bilhões ou zero, já que abandonar a obra também tem custos. Em primeiro lugar, as dívidas com bancos, hoje em R$ 6 bilhões, saltariam imediatamente a R$ 9 bilhões com a aplicação de multas previstas nos contratos.
A Eletronuclear também precisaria pagar indenizações a fornecedores, num valor estimado em pelo menos R$ 3,5 bilhões, além de ressarcir R$ 1,5 bilhão em benefícios fiscais usufruídos na importação de equipamentos.
A fatura total chega a R$ 14 bilhões, e seu pagamento também pode demandar aportes dos acionistas, reconhece Lycurgo. Segundo ele, a empresa não tem capacidade de arcar sozinha com esse custo.
A obra de Angra 3 se arrasta há 39 anos, está paralisada desde que foi investigada pela Operação Lava-Jato e foi herdada pela Eletrobras no processo de privatização da companhia, concluído em 2022.
Técnicos que participaram da construção do modelo da privatização afirmam, sob reserva, que a União abriu mão de receber um valor maior naquele momento em troca de dividir o risco de Angra 3 com a iniciativa privada.
A empresa, por sua vez, não vê vantagem na usina e agora vê chance de se livrar da obrigação bilionária no empreendimento em troca da demanda do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por mais assentos nos conselhos de administração e fiscal da Eletrobras.
Crítico da privatização, Lula já chamou a operação de "lesa-pátria" e tenta ampliar seu poder de influência, hoje limitado a um posto no conselho de administração, apesar de a União ainda deter uma fatia de 43% nas ações da companhia. Isso acontece porque a lei da privatização e o estatuto da empresa limitaram o exercício de voto a 10% do capital social.
Lycurgo diz que a negociação entre companhia e governo não interfere no negócio de Angra 3. "Não me manifesto sobre acionistas, porque não é do meu business [negócio]. [Mas] pode ser 100% União, como 100% Eletrobras, ou 50% a 50%. Para a gente, é indiferente", afirma.
A retomada das obras depende de análises a serem feitas pelo governo com base principalmente em um estudo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que está em fase de conclusão e vai mostrar os custos para concluir a obra e qual é a tarifa necessária para cobrir esse investimento, tornando o empreendimento viável economicamente.
A principal referência até hoje é a usada pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética, formado por ministros do governo) em 2018 e que apontou para um valor de R$ 480/MWh. Em valores atualizados, isso representaria entre R$ 650/MWh e R$ 750/MWh, a depender do índice de inflação usado para a correção.
É um valor bastante superior ao preço de referência da energia negociada no mercado de curto prazo (o chamado PLD, Preço de Liquidação de Diferenças) em meados de julho, que ficou em R$ 78,23/MWh.
Para Lycurgo, no entanto, a análise não pode levar em conta apenas a comparação entre os dois indicadores. Também precisariam ser considerados, em sua visão, fatores como diversificação da matriz energética e necessidade de acionamento de usinas não renováveis em determinados momentos –o que acaba pressionando o preço da energia.
"Isso [energia mais poluente] poderia ser substituído pelo nuclear, e a gente tem que falar que quando é acionado, [o gerador a carvão ou a diesel] é muito mais caro do que o próprio nuclear. E aí por esse lado iria baratear", afirma. "O mundo está se voltando para esse setor [nuclear]", diz.
Mesmo assim, o preço da energia é um ponto-chave na decisão, já que aprovar a tarifa que viabiliza Angra 3 pode significar um aumento na conta de luz dos consumidores. Por outro lado, uma tarifa menor que os custos da usina geraria prejuízos para a companhia.
Vislumbrando esse impasse, Lycurgo afirma que já pleiteou ao governo que considere alguns gatilhos que, no futuro, proporcionariam uma redução na tarifa calculada hoje. Entre essas sugestões estão eventuais reduções de custos com a reforma tributária, além da renovação de benefícios fiscais para a aquisição e importação de equipamentos, ainda em discussão com o Executivo. Um deles seria a prorrogação do Renuclear (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares), tido como necessário para retomar a obra de Angra 3.
O BNDES também deve considerar esses fatores em cenários sobre o preço de energia a ser praticado pela usina. O documento será entregue ao CNPE, que tomará a decisão sobre a continuidade ou não do empreendimento.
Entenda a negociação entre governo e Eletrobras
O que o governo quer?
O governo Lula defende, desde o começo da gestão, ampliar o poder sobre a Eletrobras (privatizada em 2022, sob Bolsonaro) obtendo vagas no conselho de administração. O argumento é que a União detém 46% das ações ordinárias (com direito a voto) e 43% do capital social total da empresa, mas não tem uma participação correspondente. A lei da privatização e o estatuto da empresa limitaram o exercício de voto a 10% do capital social.
O que a Eletrobras quer?
Para ceder os assentos, a Eletrobras passou a reivindicar a venda à União da fatia de 35,9% que a empresa detém da Eletronuclear, responsável por Angra 3. Concluir a usina custará mais R$ 26 bilhões. Abandoná-la, por sua vez, exige o pagamento de R$ 14 bilhões. A fatia foi uma herança não desejada do processo de privatização e, pela proposta, seria vendida para o governo. A companhia quer cobrar cerca de R$ 6 bilhões por essa participação.
Em que ponto estão as negociações?
O governo diz que as tratativas estão em fase conclusiva, mas que o fechamento dos termos depende de uma análise minuciosa. Nesta quinta, o Executivo e a empresa pediram prorrogação de prazo para um acordo em 45 dias ao STF –que acompanha o assunto.