Rescisões continuam após acordo entre Lira e planos de saúde, dizem usuários

há 4 meses 12

Quase três meses após acordo do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), com representantes dos planos de saúde para interromper cancelamentos unilaterais de pessoas vulneráveis, a prática continua e tem se somado a uma outra: o descredenciamento de serviços sem alternativas compatíveis.

O relato é de representantes de usuários de planos de saúde que participaram nesta quarta (21) de uma audiência pública virtual na Comissão de Direitos Humanos do Senado, solicitada pelo senador Flávio Arns (PSB-PR).

Durante o encontro, mães de crianças autistas relataram que os cancelamentos unilaterais imotivados de planos de saúde continuam a despeito do acordo de Lira e as operadoras.

É o caso do filho da médica Juliana Elvira Herdy, um adolescente que tem TEA (Transtorno do Espectro Autista), com nível de suporte 2, o que significa que apresenta mais desafios na comunicação e interação social.

Ela contou que os episódios de agressividade que o filho apresentava estavam controlados com o tratamento que fazia, mas que, com cancelamento do plano, várias terapias foram interrompidas e ela voltou a manifestar crise grave. "O autista não pode ter as terapias interrompidas."

Juliana afirmou que essas pessoas estão hoje reféns da quase impossibilidade de portabilidade dos planos de saúde, por falta de oferta de planos equiparados e de outras burocracias envolvidas no processo.

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Letícia Fantinatti de Mello, fundadora da Associação Vítimas a Mil, disse que, além dos cancelamentos, muitos usuários têm enfrentado uma situação ainda pior, que são os descredenciamentos de serviços em massa, sem que o plano ofereça alternativas compatíveis ao que era antes ofertado.

"Descredenciam os locais e as pessoas continuam com os mesmos problemas para seguir com o tratamento. Então eu diria que dá no mesmo [cancelar o contrato ou descredenciar serviços]", disse.

Ela relatou o caso de uma mulher de 76 anos, de Barueri (SP), que paga mensalidades de R$ 5.000 e que, ao precisar de pronto-socorro, descobriu que o plano dela, da Amil, tinha descredenciado o serviço.

A unidade mais próxima oferecida pelo plano seria na cidade de Osasco ou no bairro da Liberdade, em São Paulo. Pelas regras da ANS, em caso de cancelamento, o plano precisa ofertar uma alternativa em um raio de 8 km.

Vitor Hugo do Amaral Ferreira, diretor do departamento de proteção e defesa do consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, disse que o órgão notificou mais de 20 planos de saúde por abusos, mas o cenário tem se agravado.

Ele afirmou também que foi solicitada ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, uma audiência pública para um debate amplo sobre o tema. A data da audiência ainda não está definida.

Na sua fala, Fabiane Alexandre Simão, presidente da Associação Nenhum Direito a Menos e que também é mãe de um filho com autismo, criticou Arthur Lira por não abrir uma CPI para investigar abusos praticados pelos planos.

"É um absurdo ter um representante do povo, eleito pelo povo, sentando em cima de uma CPI que seguiu todos os ritos burocráticos, isso para mim é um atentado à democracia de direito."

A CPI foi apresentada em junho com 310 assinaturas de deputados e busca investigar a atuação das operadoras de plano de saúde. Nos bastidores, Lira já demonstrou contrariedade à instalação da comissão.

Na semana passada, o ministro Flavio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal) pediu informações a Lira dos motivos pelos quais não instalou a CPI.

A ANS também foi muito criticada durante a audiência no Senado. De acordo com os participantes, a agência falha na regulamentação, na fiscalização e na transparência do setor da saúde suplementar.

O senador Flávio Arns, que presidiu o encontro, considerou os relatos graves e se comprometeu a reunir todas eles em um documento para exigir respostas da ANS. Ele informou ainda que apresentará pedido de audiência pública com representantes do órgão.

"O que a gente quer não é 'favor'. As pessoas que mais precisam estão sendo colocadas à margem. 'Não, não vamos atender. Você é muito caro, você é muito difícil, vamos atender o que dá mais lucro...' Isso não pode acontecer", disse o senador.

Andrieta, do Idec, diz que mesmo que as operadoras argumentem que o cancelamento é previsto no contrato dos planos coletivos, as cláusulas são abusivas e não há uma simetria na relação entre essas empresas e os contratantes.

O representante do Idec também criticou o fato de a ANS de não publicar dados desagregados, como a quantidade exata de rescisões unilaterais e imotivadas, e de não atualizar a regulamentação do setor conforme o CDC (Código de Defesa do Consumidor).

Robson Santos Campos, diretor de assuntos jurídicos do Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor), disse que a ANS tem competência, legitimidade e amparo jurídico para fazer essa atualização das regras regulatórias e, com isso frear a crescente judicialização do setor.

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