O servidor público Eduardo Chaffin, 45, retirou o esôfago após receber o diagnóstico de um câncer causado principalmente pela doença do refluxo e obesidade. Os primeiros sinais —azia frequente, queimação no peito e dificuldade para engolir— foram ignorados por anos, até que a condição evoluiu para um tumor.
De acordo com dados do Inca (Instituto Nacional de Câncer), a neoplasia costuma apresentar sintomas apenas quando já está em estágio avançado e é mais prevalente entre homens, sendo a sexta neoplasia mais comum entre os brasileiros e a 15ª entre as mulheres.
O esôfago, órgão em formato de tubo, é responsável por conduzir alimentos e bebidas da boca até o estômago. Na parte final desse órgão, existe uma espécie de válvula natural chamada esfíncter inferior, que evita que o conteúdo ácido do estômago retorne e machuque a parede esofágica. Quando essa válvula não funciona corretamente —por causa de maus hábitos alimentares ou excesso de peso— o ácido pode subir com frequência e causar irritações, caracterizando o refluxo gastroesofágico.
Essa agressão constante leva a um ciclo de lesão e cicatrização, explica o cirurgião do aparelho digestivo Flavio Takeda, da Rede D’Or. Com o tempo, esse processo pode provocar alterações nas células da parede do esôfago, dando origem a uma condição chamada esôfago de Barrett, considerada uma lesão pré-maligna que, em alguns casos, pode evoluir para um adenocarcinoma.
"O grande problema do refluxo crônico é que ele gera um ambiente de inflamação constante. Isso machuca o esôfago, e o processo de lesão e cicatrização repetido favorece alterações celulares que podem evoluir para câncer", afirma.
Apesar do risco, nem todos os pacientes com refluxo ou com esôfago de Barrett vão desenvolver câncer. Especialistas alertam, no entanto, que o acompanhamento médico é fundamental para identificar alterações precoces e evitar complicações graves.
Existem dois tipos principais de tumor de esôfago: carcinoma epidermóide, ou espinocelular, e adenocarcinoma, segundo Takeda. Enquanto o tipo epidermóide está mais relacionado ao tabagismo e ao consumo de bebidas alcoólicas, o adenocarcinoma costuma ter como causas a obesidade e o refluxo crônico.
Cuide-se
Ciência, hábitos e prevenção numa newsletter para a sua saúde e bem-estar
Segundo o Inca, o primeiro tipo é responsável pela maior parte dos casos, mas, apesar de mais raro, os diagnósticos de adenocarcinoma aumentaram nas últimas décadas com a maior prevalência dos fatores de risco.
"A associação entre obesidade e refluxo é direta, e esses dois fatores juntos aumentam muito o risco de desenvolver o adenocarcinoma de esôfago. A gente está vendo cada vez mais pacientes jovens com esse tipo de câncer, justamente por causa dos hábitos alimentares ruins e do ganho de peso progressivo ao longo dos anos", diz.
Eduardo Chaffin conviveu por anos com sintomas de refluxo gástrico sem procurar atendimento médico. "Sempre me achei muito forte, imune a doenças. Fiquei mais de 15 anos sem fazer sequer um exame de sangue", conta.
Com histórico de evitar médicos e exames, ele só procurou ajuda após sentir uma dor pontual no estômago. Mesmo assim, levou nove meses para realizar a endoscopia solicitada pelo gastroenterologista.
O exame revelou a presença do Esôfago de Barrett. A confirmação do adenocarcinoma veio com a biópsia —exame que analisa um fragmento de tecido para identificar a presença de células cancerígenas. "Foi o pior dia da minha vida. Li o resultado sozinho e joguei na internet. Li que eu tinha de seis a 12 meses de vida. Achei que não veria meus filhos crescerem", lembra.
Apesar do susto inicial, o servidor público descobriu em consulta com um especialista que o tumor estava em estágio muito inicial, com bom prognóstico. A lesão, no entanto, exigiu uma cirurgia de grande porte. O procedimento foi realizado por via robótica e envolveu a retirada completa do esôfago, com reconstrução usando parte do estômago.
Para ele, o câncer trouxe não só uma mudança física, mas também de consciência. "Tive refluxo por muitos anos e nunca dei a devida atenção. Isso foi um grande erro. Se Deus te dá uma segunda chance, você não pode repetir os mesmos erros."
Chaffin fez a cirurgia no final de março e recebeu alta dez dias após o procedimento. Hoje, em casa, está em processo de adaptação. Takeda detalha que a fase inicial é mais difícil, em que os pacientes precisam ter uma alimentação mais balanceada e engolir mais devagar. Depois disso, não há restrições.
O oncologista Antonio Cavaleiro, coordenador médico do Centro de Oncologia do Hospital Santa Catarina, explica que os principais sintomas do câncer de esôfago são dificuldade progressiva para engolir, primeiro alimentos sólidos e depois líquidos, o que leva à perda de peso.
"Não é dor, mas é como se o alimento ficasse preso. O paciente precisa beber água para ajudar a comida a descer", descreve.
O diagnóstico é feito por meio de endoscopia, exame que permite visualizar o interior do esôfago e colher amostras para biópsia.
O tratamento costuma ser multimodal, combinando quimioterapia, radioterapia, imunoterapia e, quando possível, cirurgia. A retirada do esôfago, como no caso de Eduardo Chaffin, é considerada de alta complexidade e indicada apenas para pacientes com boas condições clínicas e nutricionais.
"Infelizmente, muitos pacientes descobrem a doença já em estágio avançado, pela falta de sintomas nas fases iniciais", diz Cavaleiro. "Se houver metástases, a taxa de sobrevida em cinco anos é inferior a 5%. Por isso, o diagnóstico precoce é essencial. Nos casos iniciais, quando o tumor é superficial, as chances de cura chegam a até 40% com o tratamento adequado."
As estimativas de câncer de esôfago no Brasil, segundo o Inca, apontam para cerca de 10.990 novos casos ao ano, sendo 8.200 em homens e 2.790 em mulheres. A mortalidade chega a 76,7% dos registros, com índice ainda maior entre os homens.
A melhor forma de prevenção, segundo Cavaleiro, é agir sobre os fatores de risco: evitar o fumo e o álcool, controlar o peso e tratar adequadamente o refluxo.
"Identificar e cuidar da doença do refluxo pode fazer a diferença entre evitar um câncer ou precisar de uma cirurgia radical no futuro", conclui.
Takeda recomenda que pacientes acima dos 45 anos, com sintomas típicos de refluxo como azia e queimação, procurem um médico para avaliação e, se necessário, realizem uma endoscopia.
A jornalista viajou a convite da Rede D'Or