'Reflorestar a Amazônia é mais eficaz que reduzir emissões', diz Scheinkman

há 1 dia 1

O olhar de Scheinkman tem se voltado para a Amazônia, onde o economista localiza grande potencial no combate ao aquecimento global, mas também dificuldades do Brasil em aproveitar esse potencial. Para ele, a contribuição brasileira é fundamental para mitigar o problema.

A seguir, os principais trechos da entrevista, em que Scheinkman conclui:

"Ainda que seja crucial reduzir as emissões de CO2, parar de desmatar e reflorestar é um caminho mais rápido, mais barato e mais viável de evitar o aquecimento global. Nisso, a preservação e a restauração da Amazônia brasileira é fundamental para o mundo".

Seu foco atualmente tem sido o aquecimento global e as perspectivas econômicas com a preservação do meio ambiente. Mas, ainda hoje, mais de 80% da produção de energia no mundo é de origem fóssil — petróleo, gás e carvão. Vai dar tempo de fazer a transição para energia limpas?

Essa questão tem de ser olhada sob dois ângulos. Um é o da produção de energia elétrica em geral, outro é na área dos transportes. A boa notícia é que a percentagem de energia fóssil que vem do carvão está caindo, e o petróleo está sendo substituído por gás natural.

É uma boa notícia, não é uma notícia maravilhosa porque gás natural, pensando no aquecimento global, não é assim uma solução, mas é melhor do que carvão e petróleo.

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Há outras boas notícias?

Há também outras coisas boas acontecendo, embora a base ainda seja baixa. As energias renováveis — hidrelétrica, solar, eólica — estão aumentando participação nas matrizes energéticas, estão se tornando competitivas. Mas a base ainda é bem baixa e, mesmo crescendo rápido, a participação no total demora para alcançar uma fração razoável do total da energia produzida. A China está instalando energia solar incrivelmente.

E em relação aos transportes?

Transporte ainda é muito na base de derivados de petróleo. É muita emissão de carbono. As emissões continuam, mas estão caindo. Tanto na produção de energia quanto nos transportes, há uma queda da contribuição dos combustíveis fósseis.

Essa redução está sendo mais rápida com a disseminação dos carros elétricos. Do ponto de vista das emissões de carbono, carro elétrico ainda depende bastante de onde vem a eletricidade que alimenta as baterias. Carro elétrico abastecido por eletricidade gerada por carvão, por exemplo.

A intermitência das energias solar e eólica não é uma trava nessa evolução para matrizes mais limpas?

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Essa intermitência é verdadeira, mas o problema está diminuindo porque as baterias estão ficando mais baratas. Um dado interessante recente mostra como essa tendência está evoluindo. Na Califórnia, estimulada por razões regulatórias, quase metade das novas instalações elétricas de geração distribuída estão vindo acopladas com baterias. Uma energia gerada com bateria acoplada não é mais intermitente.

Outras coisas na área também estão evoluindo. No caso da energia nuclear, a evolução caminha na direção de pequenas usinas modulares, meio "portáteis", bem mais seguras e com menor risco de acidentes. Essa revolução tecnológica pode explicar por que estão sendo construídas poucas usinas nucleares no mundo. Enfim, nuclear é energia limpa, ainda tem o problema do como descartar os dejetos, mas será, possivelmente, parte da matriz energética mundial no futuro próximo.

Como está o Brasil nesta corrida?

O Brasil tem potencial enorme. Já tem uma das melhores matrizes do mundo. É covardia comparar o potencial solar do Nordeste com Nova York, por exemplo.

Suas pesquisas no campo ambiental têm se concentrado na Amazônica. Como resume o que tem pesquisado sobre questão do aquecimento e a região?

Se o Brasil tivesse uma transferência da ordem de US$ 25 por unidade de carbono capturada, o país reflorestaria toda a Amazônia. Isso significa que o custo de captura do carbono na Amazônia é muito baixo. Aqui nos Estados Unidos, no Wyoming, eles pagam US$ 130 dólares por unidade de carbono.

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Mas o Brasil tem de ter controle para explorar essa vantagem.

Que tipo de controle?

Grande parte da ocupação da Amazônia é ilegal. Ou foi incentivada pelo governo, aquela maluquice da ocupação dos espaços, coisa dos militares lá atrás, ou foi tolerada por outros governos.

No governo Fernando Henrique até foi contratado um serviço de satélite para controlar o desmatamento, mas o único governo que deixou de tolerar o desmatamento da Amazônia foi o do Lula, no segundo mandato, depois de 2006.

O sistema de controle foi mais ou menos bem até 2012. O impacto foi enorme, a taxa de desmatamento desabou em 80%. Então dá para fazer.

Por que o controle do desmatamento vai e volta, não é consistente?

É uma questão de vontade política. Há um grupo de pessoas que se beneficia do desmatamento na Amazônia. Esse grupo tem um lobby forte no Congresso.

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Problema não é só que a Amazônia está jogando CO2 na atmosfera. O desmatamento altera o ciclo de umidade. Na Amazônia, percentagem importante da chuva que cai é jogado de volta na atmosfera, formando um sistema de chuvas crucial não só para a própria Amazônia, mas também ao sul da Amazônia, para o cerrado, por exemplo.

No final, o desmatamento da Amazônia prejudica o sistema de chuvas no centro-oeste brasileiro, que é muito produtivo. Apesar disso, não é todo agronegócio, mas uma parte do agronegócio e sua representação política estão sempre contra controlar o desmatamento da Amazônia.

É o agronegócio contra ele mesmo?

Isso, são essas irracionalidades que os sistemas políticos às vezes geram. Os caras defendem uma coisa que pode matar o negócio deles.

Observamos que o crescimento econômico na região da Amazônia, com todas as suas riquezas, é o mais baixo do país e a pobreza é maior. Na região, na sua parte rural, digamos assim, 85% dos trabalhadores não têm carteira assinada e mal ganham 80% do salário mínimo. Não é um bom exemplo de desenvolvimento.

O esforço é para fazer o governo abrir uma estrada e botar um posto de gasolina lá, de olho na especulação imobiliária. Ou então correr para botar uns bois para garantir a propriedade da terra depois de um tempo.

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É preciso mudar mentalidades dentro do Brasil e fazer o resto do mundo entender que a Amazônia, no curto prazo, é uma oportunidade imensa de contribuir para o problema do aquecimento global ficar menos grave.

Em outras palavras, o Brasil tem um papel fundamental nessa questão, não é?

Números justificam essa importância do Brasil e da Amazônia pelo menos na mitigação do problema do aquecimento. Por exemplo, em 30 anos, se a Amazônia ou parte grande dela for reflorestada, serão capturados 18 gigatons de CO2.

O que isso significa?

Para ter uma boa chance de escapar do aumento de 1,5 grau de aquecimento, de acordo com estudos atualizados para fins de 2025, o total acumulado do que pode ser emitido é de 200 gigatons de CO2. Uma contribuição de quase 10%, de uma única fonte, é importante demais.

Para conter o aquecimento global é preciso então combinar redução de emissão com reflorestamento?

Sim. Só para dar uma ideia, a matriz energética brasileira é limpa, das melhores do mundo, mas provavelmente 40% das emissões brasileiras de CO2 vêm do desmatamento. Supondo que o Brasil consiga parar de desmatar completamente, quando isso acontecer as emissões vão cair em 40%.

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A Amazônia, melhor dizendo a região norte, é uma área pobre do Brasil, mas as emissões de CO2 não região são de país rico. Sabemos que as emissões per capita aumentam com a renda per capita, mas, no caso da Amazônia, o que faz as emissões serem tão volumosas quanto a de lugares mais ricos, é o desmatamento.

Se o mundo fizer um esforço muito grande de redução de emissões, vai conseguir baixar em 30% sabe-se lá em quantos anos. Acabando com o desmatamento na Amazônia, a redução no Brasil seria proporcionalmente maior e mais rápida.

A moral da história é seguinte: ainda que seja crucial reduzir as emissões de CO2, parar de desmatar e reflorestar é um caminho mais rápido, mais barato e mais viável de evitar o aquecimento global. Nisso, a preservação e a restauração da Amazônia brasileira é fundamental para o mundo.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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