O governo federal divulgou as diretrizes do projeto de isenção de Imposto de Renda para ganhos mensais de até R$ 5.000, promessa de campanha deste mandato. No projeto de lei nº 1.087/2025, a isenção se estende, parcialmente, para a faixa de renda entre R$ 5.000 e R$ 7.000.
Na discussão do ajuste fiscal de 2024, o mal-estar com o embrião desse projeto foi creditado em parte à contradição de propósitos entre a contenção do gasto público e a renúncia fiscal, mas, principalmente, à incerteza da aprovação da medida de compensação da arrecadação: o adicional de Imposto de Renda para aqueles cuja renda ultrapassa R$ 50 mil na média mensal.
O propósito declarado era compensar a renúncia da isenção para ganhos mensais até R$ 5.000, acusada de ser uma resposta política ao ajuste nas contas públicas, tido como impopular, com um adicional de imposto de renda com alíquota progressiva a partir do patamar anual de R$ 600 mil, até atingir 10% para rendas superiores a R$ 1,2 milhão (R$ 100 mil mensais).
A contenção de danos passou pelo adiantamento do projeto cujas bases o governo acabou de ressuscitar.
Além da ampliação da isenção, o projeto atual detalha quais "rendas" seriam excluídas da conta para verificação da barreira de R$ 600 mil a partir da qual haveria tributação adicional, assim como quais rendimentos seriam excluídos do adicional de imposto de (alta) renda.
Os dividendos passariam a se sujeitar a uma retenção de 10% sempre que excederem R$ 50 mil no mês, como antecipação do que seria devido no cálculo do adicional, mas com a promessa de devolução do "excesso", considerando, em conjunto, a renda da pessoa física e a renda esperada da pessoa jurídica.
Esse talvez seja o aspecto mais sensível do projeto, inspirado no pilar 2 da OCDE para tributação da renda mínima global. Uma das motivações para enterrar o projeto que se ancorava exclusivamente na tributação do dividendo teria sido a dificuldade de equilibrar a incidência do Imposto de Renda entre a pessoa física e a jurídica. Em outras palavras, de fazer a conta fechar, com uma alíquota razoável, mas que ainda pagasse a conta da isenção.
FolhaJus
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O projeto atual endereça melhor esse aspecto, já que a tributação do adicional avança intencionalmente sobre outros rendimentos da alta renda, sem renunciar à incidência sobre o dividendo e sem redução da carga tributária da empresa, o que ajuda a álgebra da arrecadação.
Mas o dividendo passaria tributado, sem alívio para a empresa, mesmo considerando que o retorno do empresário é líquido do imposto pago sobre a renda da pessoa jurídica?
A promessa é de que se a tributação sobre o lucro da empresa, somada a do indivíduo, ultrapassar a alíquota nominal da pessoa jurídica (de 34% a 45%), o "excesso" será devolvido como crédito de imposto.
Sem spoiler, a conta cai no colo dos negócios que não atingem esse patamar de incidência sobre a renda, historicamente as empresas do lucro presumido, incluindo quem aproveita ágios em combinações de negócios, alavanca a remuneração do acionista via juros sobre o capital próprio, ou mesmo usufrui de qualquer redução ou isenção.
Sem a ambição de esgotar os cenários de maior impacto, o lucro presumido é o regime de muitas sociedades e a distorção desse mecanismo é uma minoria nesse universo. O combate a estruturas de evasão fiscal deveria ser feito pela atuação da autoridade fiscal ou por medidas direcionadas à minoria de subversões.
Se não houver uma salvaguarda para quem apostou no desenvolvimento regional, haverá uma quebra abrupta do pacto entre essas empresas e o governo que subsidiou as zonas de influência da Sudam e a da Sudene via incentivo fiscal.
Na remuneração do capital próprio, já muito ameaçado, similarmente ao goodwill de fusões e aquisições, o benefício seria indiretamente devolvido ao governo e tende a se esvaziar.
Isso sem mencionar a complexidade de conciliar a incidência do Imposto de Renda da pessoa física com o regime da pessoa jurídica, que, ninguém duvide, voltará a pressionar a contabilidade, cujo protagonismo e enviesamento na apuração do Imposto de Renda sempre foi um obstáculo à harmonização do BRGAAP aos padrões internacionais.
De volta ao teto do adicional de Imposto de Renda, a tendência é de sobreposição entre as rendas da pessoa jurídica e a da pessoa física, o que projeta uma suspeita razoável de bitributação. Se a pessoa física poderá abater o Imposto de Renda da pessoa jurídica, é porque, de alguma forma, estamos admitindo fictamente que se trata da mesma renda.
Da perspectiva desse teto, a proposta assemelha-se a um piso de incidência do Imposto de Renda da pessoa jurídica, baseado na alíquota nominal.
Está em jogo a redefinição da fronteira entre a incidência do Imposto de Renda sobre a pessoa física e a jurídica, que interfere sobretudo na política tributária como instrumento de atração de capital. A questão aqui é se o modelo que concentra fortemente a arrecadação no retorno do capital via dividendos atende a essa premissa da política tributária ou até mesmo se essa é a política.