Tenho esbarrado em alguns levantamentos que apontam a acentuada desvalorização de carros elétricos, principalmente quando você os compara aos híbridos. Acho que isso vai se inverter no futuro.
Um BYD Dolphin (100% elétrico) custa R$ 159,8 mil zero km. Modelos 2024 já são encontrados por R$ 129 mil, conforme aponta a tabela Fipe. Isso dá cerca de 19,3% de desvalorização em um seminovo “do ano”. Já um GWM Haval H6 HEV é cotado a R$ 216 mil novo. Na Fipe, esse veículo é indicado por R$ 190 mil, o que indica uma depreciação de apenas 13,2%.
“Carro híbrido é melhor negócio que carro elétrico”, concluirá a horda apressada.
Hoje é. No futuro? Acho que não. E por um simples motivo. A esmagadora maioria dos carros híbridos, por ter sido comercializada no país de dois ou três anos pra cá, ainda está inserida em períodos de garantia. E você precisa saber disso: realizar a manutenção de um carro híbrido será mais caro no futuro do que em um carro elétrico. Falo em nome da uma análise estrutural do pós-venda de cada tecnologia.
Se você compra um carro híbrido zero km e programa usá-lo por 2 ou 3 anos… sinal de joinha pra você. Vá em frente. Só não se esqueça de realizar as revisões programadas pela montadora para não perder a garantia.
Já você que se encanta com os 300 cv ou 400 cv dessas máquinas ultramodernas, e prevê adquirir uma delas com 5 ou 6 anos de uso quando estiverem custando metade do preço, cuidado. É para você que escrevo esse artigo. Repito: cuidado. Pela eletrônica sofisticada que um carro híbrido apresenta, o risco de sofrer com altos custos de manutenção é algo a se considerar.
Conversei com um especialista no tema. Francisco Almeida, dono da Flex Company, responsável por ministrar cursos particulares para formação de novos mecânicos em carros elétricos e híbridos, faz um conta simples para sustentar essa tese. “Lá na frente, as revisões dos híbridos serão mais caras, visto que um híbrido nada mais é do que um carro a combustão mais um carro elétrico, tudo junto, com praticamente todos os dispositivos de ambas as propulsões. Ora, claro que isso será mais caro. Ele tem mais peças para serem revisadas e, talvez, trocadas”, adverte.
Mas os elétricos também não serão caros?
A grande maioria dos carros elétricos puros possui baterias divididas em módulos que identificam anomalias e apontam a necessidade específica da troca. Você trocará somente a unidade problemática e se safará de uma despesa muito maior. Dificilmente vai ocorrer a necessidade de substituir a bateria completa.
Em tese, pelo menos, considerando o que dizem as montadoras, as baterias de elétricos são recarregáveis em cerca de 4 mil ciclos antes de começarem a perder a capacidade de retenção de carga. Se cada recarga for feita com 150 km rodados – qualquer um deles possui autonomias bem mais generosas, mas só para efeito de um cálculo rigoroso: isso dá 600 mil km rodados.
Em um carro de passeio? É provável que o carro acabe antes da bateria. Claro que a compra de um usado esconde a forma como ele foi “cuidado” ao longo da vida: caso esse primeiro condutor só use cargas rápidas, certamente o cálculo de 600 mil km vai diminuir. Mas, insisto, a segurança na compra do usado elétrico tenderá a ser maior lá na frente: basta você fazer um diagnóstico de quanta carga a bateria daquele carro à venda ainda te oferecerá.
Por essa lógica, onde reside então o risco dos híbridos? Nas centrais eletrônicas. Os famigerados módulos. Pouquíssimos especialistas são capazes, atualmente, de “consertar” esses dispositivos. “Previsivelmente haverá um mercado paralelo para esses módulos”, antecipa Almeida. Mas isso não será garantia de preços acessíveis.
Se você parar pra pensar, essa é a verdadeira razão que vitima os importados usados no nosso mercado. Vamos olhar para as lasanhas… e o que o mercado de usados nos ensina.
Vivi essa encrenca na pele
Eu já sofri com isso, quando tive um VW Passat Variant 2.0T 2009: o módulo que controlava acionamento de vidros e trava das portas quebrou. A porta do passageiro ficou travada. Não destrancava nem abria o vidro. O original custava R$ 2.500. A sorte foi que garimpei indicações com eletricistas até encontrar uma oficina que substituía o equipamento com a adaptação de um paralelo. Saiu por R$ 600.
Também tive problemas com outro módulo que gerenciava o marcador do nível do tanque de gasolina. Era um carro com 100 mil km e 15 anos de uso… Você ligava o carro e o mostrador funcionava. Saía com ele e, de repente, 5 km ou 10 km ou 50 km ou 300 km depois (sem qualquer previsibilidade), ele apagava. O ponteiro voltava para o zero. O que eu fazia? Sempre enchia o tanque e constatava a necessidade de abastecimento pelo hodômetro parcial: quando chegava aos 400 km rodados, eu completava.
Quanto vale essa perua hoje? Pouco mais de R$ 46 mil. Um despretensioso Golf 1.6 do mesmo ano é vendido por R$ 40 mil. Lá atrás, a Variant custava, a preço de zero km da época, R$ 127,1 mil. O Golf? R$ 51,5 mil.
Por que ela depreciou tanto e o Golf, não? Porque a manutenção do Golf é mais previsível. Esse é o único motivo. O médio também tem lá suas caixinhas eletrônicas que podem promover surpresas. Mas a Variant é muito mais servida de eletrônica e, com 15 anos de uso, conforme eu pessoalmente pude constatar, esses módulos podem começar a pifar.
(Nada contra as lasanhas. Adorava o carro. Mas a comprei ciente de que essas despesas poderiam ocorrer.)
No futuro, portanto, quando os carros híbridos tiverem 10, 12 ou 20 anos de uso, eu arrisco afirmar que as cotações vão despencar, enquanto os elétricos segurarão mais os preços. E outra coisa: haverá uma série de empresas especializadas em promover a reciclagem de baterias. Mesmo que o seu EV esteja no finalzinho da vida, quase virando sucata, e as baterias com 50% ou 60% da autonomia original, ainda assim elas valerão um bom dinheiro para essas oficinas. Já o híbrido…
Eduardo Pincigher
Eduardo Pincigher é jornalista formado pela PUC-SP e atua no setor automotivo desde 1989, com passagens em diversas publicações e montadoras. Hoje trabalha como assessor de imprensa por intermédio de sua agência de comunicação.