O artigo 19 do Marco Civil da Internet, cuja constitucionalidade está sendo debatida no STF, determina que, em regra, as plataformas apenas respondam depois de descumprirem decisão judicial que ordena a remoção de conteúdos. Existem exceções à regra (como para conteúdos íntimos divulgados de forma não consentida) e as empresas podem moderar publicações antes da expedição de uma ordem judicial.
A lei poderia ser aperfeiçoada para estimular as plataformas a moderar de forma mais transparente e criteriosa. Isso poderia ser feito de várias formas, inclusive através de mudanças no regime de responsabilização, trazendo mais hipóteses para o modelo de responsabilidade após o descumprimento de notificação (ao invés de ordem judicial), como ocorre com a divulgação de conteúdos íntimos.
Mas nada disso consegue entrar na formulação de uma pergunta simples e direta, típica das pesquisas de opinião.
Considerando o contexto brasileiro, que inclui a percepção pública sobre o papel das plataformas no 08 de janeiro e o desafio à Justiça brasileira feito por Elon Musk, o resultado a favor da responsabilização parece até ter ficado aquém.
Ainda mais considerando a abrangência da pergunta e suas implicações políticas. Plataformas digitais - muito também por sua culpa - andam desaplaudidas em ambos os espectros políticos. Para a esquerda as redes sociais removem menos conteúdos do que deveriam, deixando no ar publicações que causam danos. Para a direita, as plataformas removem mais do que deveriam, cruzando a linha da liberdade de expressão e prejudicando pautas conservadoras.
Eleitores de Lula e Bolsonaro apoiam alguma responsabilização
Nesse ponto chama atenção o resultado da pesquisa, que revela que tanto eleitores de Lula como de Bolsonaro são favoráveis à responsabilização das plataformas, residindo aqui talvez a única diferença mais significativa entre todos os parâmetros da pesquisa (como gênero, escolaridade e renda).
Eleitores de Lula apoiam a responsabilização mais enfaticamente (com 66% dos entrevistados), enquanto esse número cai para 55% entre eleitores de Bolsonaro (com 37% dos entrevistados bolsonaristas respondendo negativamente).
Vale indagar se, em especial do lado bolsonarista, a resposta dada à pergunta revela mais um descontentamento com a política de moderação das plataformas do que uma convicção de que elas devam ser responsabilizadas. Ou talvez essa resposta mais tendente à responsabilização tenha captado um sentimento compartilhado por pessoas mais conservadoras de que existem muitos conteúdos vistos como problemáticos nas redes (em especial relacionados a pautas sobre costumes).
Seja como for, dada a abrangência da pergunta, que não entra em qualquer detalhe sobre tipo de conteúdo ou atuação das plataformas, a pesquisa da Genial/Quaest revela uma aceitação da ideia de responsabilização, só não se sabe bem qual e como. Isso o STF vai dizer.
Quem é contra a responsabilização das plataformas?
Considerando a má reputação de algumas das grandes empresas de tecnologia, somada ao contexto brasileiro cada vez mais refratário ao discurso das big tech, e a enorme abrangência da pergunta, o resultado na marca dos 60% favoráveis à responsabilização acaba jogando luz em quem não foi com a maioria.
Quem são as pessoas que acham que as redes sociais não devem responder pelo conteúdo nelas publicado?
Embora a pesquisa não traga grandes discrepâncias entre os parâmetros indicados, é possível traçar um perfil de quem respondeu negativamente.
Esse grupo está mais localizado mais nas regiões Sul e Centro-Oeste/Norte (35% e 32%, respectivamente), é ligeiramente mais masculino (32% homens x 29% das mulheres responderam negativamente), possuem entre 16-34 anos (35% dos entrevistados), sendo esse o extrato mais jovem da pesquisa, possuem mais escolaridade e têm maior renda (superior a 5 salários-mínimos).
Talvez mais importante do que revelar um apoio à noção de responsabilização das plataformas (que parece até mesmo natural), a pesquisa Genial/Quaest mostra como essa percepção é menos aceita quanto maior for a renda, a escolaridade e mais jovem for entrevistado, pegando um recorte que vai dos 16 aos 34 anos. Esse é um ponto sobre o qual deveríamos prestar atenção.
Opinião
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