A mobilidade socioeconômica é amplamente vista como um caminho essencial para reduzir a desigualdade e promover o desenvolvimento. No entanto, a experiência de ascensão social de pessoas residentes em favelas revela desafios complexos que requerem uma abordagem mais abrangente por parte das políticas públicas.
Em um estudo recentemente publicado no periódico científico Administrative Science Quarterly, analiso como os avanços econômicos proporcionados por programas de treinamento para moradores de favelas levaram os participantes a alcançar maior estabilidade financeira. Contudo, esses ganhos econômicos foram acompanhados por um intenso estigma social.
O estudo realizou uma avaliação de impacto do programa de treinamento do Banco da Providência, uma organização sem fins lucrativos sediada no Rio de Janeiro.
No programa, indivíduos, em sua maioria mulheres, residentes em favelas cariocas, receberam durante nove meses treinamentos técnicos e socioemocionais para posterior entrada no mercado de trabalho.
Os resultados mostram que os participantes saíram do programa mais autoconfiantes, otimistas e tecnicamente preparados. Isso lhes permitiu maior entrada no mercado de trabalho via empreendedorismo, bem como ganhos reais de renda em comparação com um grupo semelhante que não participou do programa.
No entanto, os resultados também apontam que, à medida que os participantes aumentavam sua renda, subindo degraus na escada social, mais enfrentavam preconceito por serem moradores de favela. Em relatos, participantes descreviam que, apesar de estarem trabalhando duro e ganhando mais, muitas vezes eram taxados como "perigosos" por potenciais empregadores e fornecedores residentes "do asfalto," ou seja, de fora da favela.
Esse tipo de discriminação social é um reflexo do preconceito arraigado na sociedade brasileira, onde as favelas são estereotipicamente associadas à criminalidade e desordem. Além disso, os resultados reforçam a grande falácia da dita "meritocracia" ao demonstrar que aqueles que pouco têm pagam um preço ainda maior quando conseguem progredir economicamente.
A partir desse cenário, surge a necessidade de políticas públicas que considerem os desafios vividos pelos residentes dessas comunidades de forma mais holística.
Primeiro, é fundamental reconhecer que o desenvolvimento socioeconômico das favelas está nas mãos de seus residentes; é crucial destacá-los como os grandes agentes de transformação de suas comunidades.
Segundo, o governo deve fazer sua parte, não apenas providenciando serviços públicos de qualidade para os moradores, mas também investindo em linhas de crédito específicas para empreendedores da favela, de modo que a força do mercado contribua para o desenvolvimento local.
Por fim, é fundamental reconhecer que os moradores de favela são afetados pela violência, tanto direta quanto indiretamente: diretamente durante potenciais conflitos e indiretamente pelo preconceito social que sofrem.
Subir a escada social é uma jornada árdua que cobra seu custo na dor emocional de quem por ela sobe. Isso é um fato comum a todos, mas a carga emocional é ainda maior quando quem está subindo vem da favela. É fundamental uma mudança de mentalidade em relação a esses espaços e seus residentes para que estes possam realizar seu pleno potencial. Como bem disse o cantor e compositor Bezerra da Silva: "A favela nunca foi reduto de marginal. Ela só tem gente humilde, marginalizada." Contrariando a continuação da canção, dessa vez, essa importante verdade saiu no jornal.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Leandro S. Pongeluppe foi "Eu sou favela", de Bezerra da Silva.