"O Brasil me obriga a beber" é uma das frases mais cafonas que eu já ouvi. Vai adotar um cachorro, cuidar de uma planta, cantar em um show, dançar… Entendo a revolta, o país de fato não colabora para termos uma sanidade mental, mas daí dizer que você bebe porque está tudo ruim é uma lástima, para dizer o mínimo.
Sei que é um "jeito de falar", mas tenho meus (grandes!) motivos para ter ranço da expressão. E além do mais acordei um pouco revoltada. Poxa vida, até quando vão associar a solução dos problemas a uma bebida? Não deveria ser assim. Afinal, essa não seria apenas uma desculpa para beber?
O Brasil nem nenhum outro problema deveria justificar um copo. O Carnaval está chegando, e que desculpa boa para beber baldes, não? O que podemos concluir é o óbvio: bebe-se muito e por qualquer motivo. As mazelas do país, o nascimento de alguém, a morte do papagaio, a estreia do Neymar no Santos. Absolutamente tu-do.
Pois é, eu tinha essa cabeça. Não acreditava que existiria uma vida sem o álcool, afinal a bebida estava sempre presente. Fosse na alegria, na tristeza, na angústia do "nada está acontecendo comigo"...
Teve um tempo em que fiquei ignorando as pessoas que me diziam que eu estava bebendo demais. Até que eu não conseguia mais ficar sem. Perdi completamente a capacidade de existir sem o álcool. Não era uma opção. A doença gritava.
Tá, mas o que tem de novo em tudo isso que eu estou escrevendo? Quase nada. Mas falar sobre o alcoolismo é repetir sempre os mesmos assuntos até esgotar. Tem dias que é quase impossível saber que existem alcoólatras que estão morrendo por aí simplesmente porque a doença não é tratada da forma certa. Enaltecer a bebida, fazer quinhentas piadinhas sobre o porre é luxo para quem não tem nem ideia do que é passar pela dor do alcoolismo.
Ano passado eu me atrevi a ir em um bloquinho de rua porque uma amiga insistiu. O nome do bloco já fazia piada com a bebida, e quando eu cheguei lá, me deparei com um vendedor de camisetas: "Melhor ser um bêbado conhecido do que um alcoólatra anônimo". Sério mesmo que alguém acha graça em sair por aí estampando esse lema? Não deu meia hora e apareceu um primo meu usando a camiseta.
Só pensei no trabalho sério que os AAs fazem no mundo todo e senti pena. Para que fazer graça da desgraça? É triste enfrentar as dores da minha doença, mas pior ainda é ver que ainda temos muito o que aprender com empatia.
O Brasil me obriga a viver sóbria, e sabe que há muita graça nisso?