'Premiaram a alma do filme', diz Walter Salles sobre vitória de Fernanda Torres

Walter Salles parece cansado, mas nunca para falar de cinema. Menos de 24 horas depois do seu filme "Ainda Estou Aqui" ganhar o Globo de Ouro de melhor atriz para Fernanda Torres, o diretor acredita que, talvez, os anjos e até uma santa protetora deram uma mãozinha.

"Foi uma explosão de alegria porque a Nanda é a alma do filme", disse Salles à Folha nesta segunda-feira (6), após participar de um painel no Festival de Cinema Internacional de Palm Springs.

"Foi premiado justamente isso, a alma do filme, e ao mesmo tempo a dona Eunice Paiva, maravilhosa, nossa santa protetora. Acho que ela estava nos acompanhando ali, como nos disse Marcelo e Ana Lu Paiva. Foi um momento incrível."

Salles citou então o diretor húngaro István Szabó e os anjos: "Ele dizia quando estava filmando e não encontrava a cena: ‘Olha, não se preocupe porque os anjos vão chegar’. E ontem a gente teve a impressão que os anjos tinham chegado naquele momento", continuou Salles.

O diretor contou que, no momento do anúncio, pensou muito em Fernanda Montenegro, mãe de Torres e com quem ele foi ao Globo de Ouro em 1999 com "Central do Brasil". O filme ganhou o prêmio de melhor em língua não-inglesa, mas Montenegro perdeu o de melhor atriz.

"Na caminhada da Nanda ali para subir [ao palco] eu me lembrei da caminhada da dona Fernanda em 1999 quando o filme ganhou o prêmio", disse Salles.

"E aquilo discurso da Nanda improvisado, achei tão bonito. Os outros discursos às vezes estavam muito escritos e o dela não tinha nada, veio de dentro mesmo. A força da Nanda é isso, é uma pessoa que está sempre em total sintonia consigo mesma. E saiu aquela coisa linda, de dentro. A gente estava muito comovido."

Em "Ainda Estou Aqui", Torres interpreta Eunice Paiva, mulher do ex-deputado Rubens Paiva, que é desaparecido durante a ditadura militar. O filme é baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, filho do casal.

Salles comparou a atuação de Torres com a escrita de Clarice Lispector. "Clarice dizia que escrever para ela era um eterno cavucar. Ela cavucava, cavucava até achar a matéria. Para encontrar Eunice, o processo foi semelhante. Era cavucar e cavucar até ficar com a essência, só com o músculo e tirar tudo que não era essencial." "E para isso você precisa de um talento extraordinário que a Nanda tem, e tem que ter muita fé no processo do cinema."

"É uma atuação baseada na ideia de subtração, em dizer muito com pouco. De conseguir ter sempre algo como um vulcão que está aceso e nunca transborda e ela consegue fazer isso ao longo do filme de uma maneira incrível."

Sobre as chances de Oscar, cujas indicações serão anunciadas em 17 de janeiro, Salles tenta manter o mesmo ceticismo do Globo de Ouro, apesar da euforia de Michael Barker, co-presidente da Sony Pictures Classics, responsável pela campanha do filme. À Folha, Barker disse que "Ainda Estou Aqui" tem chances de indicação em direção, roteiro e melhor filme.

"Não é pessimismo nenhum", diz Salles. "Mas acho que estamos muito próximos da votação [do Oscar] para mudar esse cenário [de ir além das categorias de internacional e atriz]. As possibilidades do filme são essas que foram colocadas ontem no Globo de Ouro", disse.

Salles lembrou que os eleitores do Globo de Ouro, cerca de 300 jornalistas de diversos países, são muito diferentes dos membros da Academia que votam no Oscar, cerca de 9.000 pessoas ligadas à indústria do cinema num eixo maior entre Los Angeles e Nova York.

"Muda muito até do ponto de vista geopolítico. Não é ceticismo. Acho que a gente luta por essas duas vagas, mas não são certas. Vamos ter que torcer ainda bastante. Dona Eunice, com a força dela, vai nos ajudar. Espero."