A Prefeitura de São José do Rio Preto, no interior paulista, identificou 14 "médicos fantasmas" atuantes nas UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e prontos-socorros do município.
Em entrevista à Folha, o secretário de Administração de São José do Rio Preto, Adilson Vedroni, disse que recebeu as denúncias no dia 27 de dezembro de 2024, quando comandava a pasta da Saúde.
No mês de janeiro, em sua nova gestão, instaurou um procedimento de investigação para apurar descumprimento da jornada de trabalho, registro de ponto e produtividade. O resultado deu origem a um relatório de 90 páginas, o qual a reportagem teve acesso com exclusividade.
No total, o relatório cita 22 médicos, mas até o momento foram apontadas irregularidades contra 14. A metodologia da comissão que apurou a sindicância se baseou na avaliação da frequência dos profissionais entre outubro e dezembro de 2024.
"Além de instaurar um procedimento administrativo contra as funcionárias estatutárias, em uma das providências, o prefeito [Fábio Candido] determinou que a Secretaria de Saúde aperfeiçoe o controle da jornada, talvez, até com reconhecimento facial, e que implante câmeras de segurança perto dos relógios de ponto das unidades de saúde", afirma Vedroni. Somente as UPAs Jaguaré e Tangará possuem o equipamento.
"O controle da jornada de médico é um negócio complicado. O próprio Ministério Público entrou com uma ação determinando que o ponto passasse a ser digital. Para os nossos funcionários do quadro efetivo da prefeitura, o ponto é digital, mas os médicos que prestam serviço na rede pública municipal por força de convênio passam o cartão de ponto", explica.
Dos 14 investigados, três são da administração direta —um tem vínculo duplo. Os demais foram contratados pela Funfarme (Fundação Faculdade Regional de Medicina) de São José do Rio Preto, mantenedora do Hospital de Base, sob regime celetista, para o cargo de clínico geral plantonista. A entidade é conveniada com a prefeitura.
Os terceirizados são remunerados por plantões de seis ou 12 horas conforme registro de ponto eletrônico por meio de crachá. Os atendimentos a pacientes devem constar em prontuário eletrônico.
A comissão que investigou as denúncias oficiou instituições públicas e privadas para que fornecessem informações sobre os atendimentos. De acordo com o documento, algumas instituições não se manifestaram e outras ofertaram respostas incoerentes.
Há indícios de que os médicos registravam o ponto e deixavam a unidade sem atender os pacientes do SUS; outros batiam ponto para os colegas.
O relatório aponta que a sindicância também verificou "indícios de atendimentos como ou no lugar de profissional médico, sem a devida habilitação junto ao Cremesp/CFM".
Tal prática foi autorizada pela profissional que cuidava das escalas médicas. Há outras denúncias, como a realização de "operação tartaruga" nas unidades e a proibição de emissão de atestado médico nas consultas presenciais —pacientes só poderiam adquirir no TeleUPA.
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Uma das servidoras públicas pediu exoneração. Em relação às outras duas, foi aberto processo administrativo disciplinar, o que pode culminar em suspensão ou exoneração. O resultado deverá sair em cerca de 60 dias, mas uma das médicas já foi afastada porque havia processo contra ela.
"Quanto aos profissionais da parceira nós pedimos para que haja o imediato desligamento da prestação de serviço à prefeitura. O prefeito também solicitou que ela aperfeiçoe o controle da jornada", diz o secretário.
Se a instituição não substituir os profissionais de imediato, a prefeitura o fará. "Temos parceria com outras instituições e também a possibilidade de contratar por prazo determinado pela própria administração direta".
Em nota, a Funfarme afirmou que não teve acesso ao conteúdo da sindicância, tampouco participou da referida apuração. A fundação ressaltou que não foi oficialmente comunicada pela Prefeitura de Rio Preto e que aguardará ser cientificada do conteúdo da sindicância para tomada de providências internas.
Segundo Vedroni, o órgão municipal solicitou ao Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) que avalie o que pode ser feito para apurar a questão ética e profissional dos médicos. À reportagem, o conselho afirmou não ter sido procurado.
"A punição tem dois efeitos: punir aquele que teve a conduta irregular e o pedagógico para que os outros tirem isso como exemplo e não repitam", diz o secretário.
De acordo com o secretário da Administração, Adilson Vedroni, 1.350 profissionais de saúde, em média, prestam serviço à Prefeitura de São José do Rio Preto pela Funfarme. Do montante, 400 são médicos.