A acreana Maria da Glória Guimarães uma vez ouviu do chefe que acabara de lhe promover: "Eu não escolheria você. Mas você entrega muito". Para a executiva, a fala explica a razão do seu crescimento profissional nos 30 anos em que trabalhou no Banco do Brasil, onde entrou com apenas 18 anos e chegou ao cargo de diretora de TI.
Guimarães conta que sempre foi competitiva e firme. Duas características que para os homens são referência de qualidade profissional, mas que no caso das mulheres são vistas com uma forma de agressividade e encaradas como um problema.
"É até difícil para as mulheres admitirem que são competitivas, né? Como se ser competitiva fosse defeito", diz.
Hoje, a executiva é sócia de uma consultoria. Aos 63 anos, está engajada na discussão do etarismo no trabalho: "As pessoas acham que chegou aos 60, apesar de toda a experiência, pode descartar". O problema é maior, diz, para as mulheres.
Um dos pontos em comum entre as executivas é a percepção de que os desafios para a mulher aumentam à medida que vão ascendendo ao topo de cargos de liderança.
"Fui tomando mais consciência quando entrei na área executiva. Aí, aumenta a pressão. Eu, por exemplo, já casada, queria ter filhos", conta Paula Harraca, CEO da Ânima Educação.
Desde junho deste ano, Harraca é a primeira mulher a ocupar a posição na empresa privada de ensino superior. Com ações negociadas na B3, a Ânima conta hoje com 390 mil alunos sob o seu guarda-chuva.
Antes da chegada à Ânima, trabalhou por mais de 20 anos na ArcelorMittal, onde começou como trainee na Argentina, país onde nasceu. Na multinacional, entrou no chão de fábrica, na aciaria, setor da usina siderúrgica em que o minério de ferro é fundido. "Não tinha uniforme feminino. Não tinha banheiro feminino", relembra.
O nascimento da primeira filha, Ema, foi um divisor. Quando estava grávida, foi promovida à gerente-geral. "Com a minha cabeça workaholic, falava para o meu chefe: fica tranquilo, daqui a um mês eu volto", relembra. O chefe não aceitou. "Gastei a licença inteira, não mandei uma mensagem", diz.
Se a presença feminina já é baixa nos cargos de liderança das empresas, a distância é ainda maior para as mulheres pretas, pardas e indígenas, como mostrou o levantamento do Centro de Estudos em Finanças da FGV (Fundação Getúlio Vargas), em parceria com a Folha.
"Como médica, inúmeras vezes, no pronto-socorro, a pessoa chegava, batia no meu ombro, e dizia "chama o médico". Por que eu não poderia ser médica?", questiona a infectologista Joana D'arc Gonçalves.
Negra e de origem pobre, D'arc enfatiza a importância da autoestima na pavimentação do caminho para a liderança.
"Sempre tive essa sensação de poder porque um dia me falaram isso e eu senti esse empoderamento", ressalta.
A médica faz parte do Mulheres do Brasil, criado em 2013 para promover a diversidade de gênero. Quando foi convidada a entrar no comitê de saúde do grupo, chegou a ter dúvidas se não estava sendo chamada para cumprir tabela e aumentar a presença de mulheres negras no grupo.
"A minha pergunta foi: É por que sou preta? Estão querendo representatividade? Aí alguém falou: Joana, algumas pessoas têm olhos de águia, você é boa."
"Assertividade vira arrogância. Homens, principalmente, criavam essa pecha de que eu era arrogante, assertiva, um trator", diz Patrícia Ellen, que atuou no combate à pandemia da Covid como secretária de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do estado de São Paulo.
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Discussões, notícias e reflexões pensadas para mulheres
Cofundadora da AYA Earth Partners, presidente do Instituto AYA, sócia-presidente da Systemiq Latam, a ex-secretária agora trabalha com temas relacionados ao enfrentamento da crise climática.
Raquel Reis Giglio é a nova CEO da SulAmérica Saúde & Odonto. Aos 41 anos, a atuária de profissão começou a trabalhar aos 17 anos. Foi trainee de duas grandes multinacionais de seguros antes de migrar para SulAmérica, em 2011. Foi gerente, superintendente, diretora e vice-presidente. Mesmo nesses cargos de liderança, relata que já enfrentou situações em que colegas homens atropelavam a suas falas nas reuniões.
"Me senti desprestigiada em determinadas situações e tendo que buscar com mais afinco o meu lugar de fala. Já passei por situações de estar conversando com uma pessoa, ter três pessoas na mesa, e ali o interlocutor olhava para o parceiro que estava comigo, que era homem, e não respondia para mim."
Diretora-executiva da RenovaBR, Bruna Barros ressalta que o Brasil ainda tem traços de racismo, machismo e "muito sexismo".
"Eu tive muita consciência, principalmente por causa do meu pai, que sempre mencionava que eu era mulher e negra, que teria que lidar com isso na minha vida, na minha trajetória", diz Barros, que comanda a escolha pluripartidária, sem fins lucrativos, que forma lideranças políticas e públicas. A formação de mais lideranças femininas é meta.