Por que propostas defendidas por eleitos para o CFM não são medicina baseada em evidência

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Cloroquina, desinformação sobre as vacinas da Covid, resolução que proíbe o aborto após 22 semanas. Estas são algumas propostas dos conselheiros do CFM (Conselho Federal de Medicina) eleitos na última semana, e suas posições podem afetar as diretrizes médicas nos próximos anos.

É sobre isto que falo na edição desta semana.

Medicina com base em (não) evidência?

Peço licença a você, leitor ou leitora, para fazer uma recapitulação histórica da "medicina baseada em evidência" (ou MBE).

O termo, segundo constam revisões bibliográficas, foi introduzido pela primeira vez em 1991 por Gordon Guyatt, médico canadense e professor da Universidade de McMaster. Ele criou um novo conceito de "medicina científica", se contrapondo à chamada "prática de leito" que seria não-científica.

Na época, "a opinião de especialistas, a experiência e o julgamento autoritário eram a base para a tomada de decisões [...] e o uso de metodologia científica e de análise estatística eram raros no mundo da medicina", segundo o levantamento de Roger Sur e Philipp Dahm publicado no periódico Indian Journal of Urology (2011).

O que Guyatt propôs então era que os médicos precisavam desenvolver a chamada "avaliação crítica", isto é, avaliar os parâmetros de estudos produzidos com milhares de pacientes para ajudar na melhor tomada de decisão para a clínica médica –em outras palavras, o "letramento científico" de médicos.

Muitos críticos continuaram a produzir contrapontos à MBE, segundo o argumento de que a "melhor evidência" é questionável, citando compostos usados para tratar pacientes, como a insulina, que foram descobertos a partir de experimentos em um único paciente.

Embora válidas, tais críticas não devem ser extrapoladas para as decisões de saúde pública que, a grosso modo, necessitam de muito mais do que "um único exemplo de sucesso" para serem adotadas.

Hoje, plataformas virtuais reúnem dezenas de milhares de RCTs (sigla para ensaios clínicos randomizados, considerados o padrão-ouro da MBE) disponíveis para qualquer pessoa que queira buscar dados que vão desde a eficácia de medicamentos até a possibilidade de novas abordagens terapêuticas reduzirem condições de saúde em uma população. Um dos portais mais famosos é o Cochrane Library, fundado em 2013 e que homenageia Archie Cochrane, também pioneiro da medicina científica.

A pandemia da Covid-19

Na pandemia, a MBE sofreu um novo ataque. Floresceram no Brasil e no mundo profissionais de saúde que promoviam tratamentos comprovadamente sem eficácia contra o vírus.

Em junho de 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) encerrou o maior estudo clínico global sobre a eficácia da hidroxicloroquina para reduzir hospitalização e morte por Covid pois não foi comprovada redução da mortalidade. Outros estudos chegaram à mesma conclusão, incluindo um no Brasil com mais de 600 pessoas.

Mesmo assim… Vários médicos continuaram e continuam defendendo este e outros tratamentos para a doença, como a ivermectina, a proxalutamida e a ozonioterapia. Muitos dos pacientes submetidos a essas terapias tiveram danos irreversíveis aos fígados, rins, coração e até maior risco de morte.

Anticiência no governo Bolsonaro

No Ministério da Saúde sob Jair Bolsonaro (PL), negacionistas foram convidados a elaborar notas para inclusão do tratamento precoce contra a Covid no SUS, se posicionar contra o uso de máscaras e lockdown como forma de reduzir a transmissão do vírus e, posteriormente, contra as vacinas da Covid, especialmente em crianças.

Os atrasos constantes na vacinação e a resistência a adotar medidas de proteção contra o vírus deram ao país o triste ranking de 2º colocado em mortes absolutas no mundo.

Tá, mas e o CFM?

Na última semana, aconteceu a eleição dos próximos conselheiros estaduais do CFM. Muitos dos candidatos eleitos compõem essa base anticiência e defendem práticas médicas sem evidência.

Pior, eles se colocam como vozes ativas contra tudo que é de mais alto consenso médico, como a assistolia fetal como forma de interrupção da gestação acima de 22 semanas (uma diretriz seguida pela OMS) e vacinação infantil como forma de redução da mortalidade em crianças, incluindo a Covid.

Eles defendem a chamada autonomia médica, isto é, a liberdade individual dos médicos para prescrever o que bem entenderem aos pacientes, sem que isso seja feito com base em evidências e estudos.

Torna-se quase impossível para a população saber em que o médico do posto de saúde ou consultório acredita, uma vez que os votos não são abertos.

Mas… Dada a proporção de que 18 dos 27 eleitos são contra o aborto legal, estão filiados a um partido político ou defendem o uso de cloroquina para Covid, fica difícil esperar um horizonte onde a MBE deve guiar a prática médica nos próximos anos.

CIÊNCIA PARA VIVER MELHOR

Novidades e estudos sobre saúde e ciência

  • Rastreio de pacientes de alto risco pode ajudar no combate ao câncer de cabeça e pescoço. Um estudo publicado na revista científica Cancer Screening and Prevention avaliou um método para reduzir a mortalidade e morbidade (efeitos à saúde) dos tumores de cabeça e pescoço, que respondem a 2% de todos os casos de câncer no mundo. Os pesquisadores do departamento de cirurgia de cabeça e pescoço do Hospital Amiens-Picardie usaram termos como "prevenção", "rastreio", "diagnóstico precoce" e "cuidador geral" para buscar protocolos de rastreio dos pacientes nas bases de dados. Eles concluem que um rastreio de todos com alto risco para tumor de cabeça e pescoço —como fumantes, com alto consumo de álcool ou não vacinados contra o HPV— pode ajudar a detectar precocemente o câncer e aumentar a sobrevida e taxa de cura.
  • 1 em 5 crianças que tem um irmão com autismo pode desenvolver a condição. Uma pesquisa do Instituto Kennedy Krieger encontrou que 20% das crianças com pelo menos um irmão com o transtorno do espectro autista (TEA) têm alto risco para desenvolver o distúrbio. Além disso, em famílias com uma ou mais crianças com autismo, a recorrência chega a 36%, segundo o artigo publicado na revista Pediatrics.
  • Estudo prevê aumento de 84% dos novos diagnósticos de câncer em homens até 2050. De acordo com uma estimativa global de mais de 30 tipos de tumores, os casos de câncer em homens podem subir de 10,3 milhões, 2022, para 19 milhões até 2050, representando um aumento de 84%. Além disso, as mortes podem quase dobrar no mesmo período, passando de 5,4 milhões para 10,5 mi, afirmam os autores do estudo publicado no periódico científico Cancer.
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