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Em 2024, o mercado de financiamento de veículos surpreendeu. Apesar da taxa Selic elevada, o volume de crédito liberado para compra de automóveis disparou, atingindo R$ 273,7 bilhões - um crescimento de 28,6% em relação a 2023, segundo a Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (ANEF). Além disso, 46% das vendas de veículos leves foram financiadas, algo que não acontecia desde 2021.
Esse movimento contraria a tendência que se consolidou desde a pandemia: uma ampla maioria das compras estava sendo feita à vista, já que o crédito estava mais restrito. Para se ter uma ideia, em 2022, 65% dos veículos foram comercializados à vista, contra 50% no ano passado. Isso significava que apenas quem tinha um grande poder aquisitivo conseguia comprar um carro novo. Mas, em 2024, o financiamento voltou com força.
Três fatores impulsionaram os financiamentos em 2024
De acordo com o economista Igor Lucena, três elementos principais explicam essa alta nos financiamentos:
Corrida contra os juros: com a expectativa de aumento da Selic, muitos consumidores decidiram antecipar a compra do carro para garantir uma taxa de financiamento mais baixa. "As pessoas imaginavam: 'Ora, é melhor tomar o empréstimo agora do que depois, com a taxa ainda mais alta'", explica Lucena.
Gastos públicos estimularam o consumo: em 2024, o governo federal injetou dinheiro na economia, o que impulsionou o consumo. "A economia está crescendo 3% ao ano, mas movida a crédito e gasto público", diz Lucena. Como resultado, bens duráveis, como carros e motos, tiveram alta nas vendas.
Aumento da concorrência: o aumento na oferta de veículos chineses no Brasil também teve impacto. Marcas como BYD e GWM trouxeram modelos com preços mais competitivos, especialmente no segmento de elétricos e híbridos, o que acirrou a concorrência e a disputa de preços em todo mercado.
"Esses carros são eminentemente subsidiados. O preço que eles entregam é muito abaixo do que de fato custariam no mercado normal", afirma Lucena.
Bancos estavam mais agressivos - mas já recuaram
Outro fator importante foi a postura dos bancos. Em 2024, havia um apetite maior das instituições financeiras para conceder crédito, e algumas chegaram a oferecer financiamento de 100% do valor do carro para consumidores com bom histórico financeiro. Isso aconteceu porque em meados do ano passado a Selic chegou a 10,5%.
Essa tendência, no entanto, já começou a mudar. Com a Selic em 13,25% e a expectativa de novas altas, o risco para os bancos aumentou.
"Hoje, quando você fala sobre linhas de financiamento, seja de carro ou de qualquer outro produto, o questionamento principal é o risco. O risco está muito alto, pois os juros deixam as parcelas mais pesadas", alerta Lucena. Isso significa que os critérios para aprovação de crédito estão ficando mais rígidos.
E o que esperar para 2025?
O cenário para 2025 é mais desafiador. A taxa Selic pode subir para 14,25% ao ano para conter a inflação, tornando os financiamentos ainda mais caros. Para Paulo Noman, presidente da ANEF (Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras), será necessário encontrar novas formas de atrair compradores.
"Teremos que trabalhar com criatividade. Oferecer soluções cada vez mais personalizadas, prazos mais flexíveis e pagamentos residuais no final do contrato, a chamada parcela 'balão'", explica.
A ANEF ainda projeta um crescimento de 8,5% nos financiamentos, mas esse aumento será bem mais modesto em relação a 2024.
Lucena também prevê uma desaceleração. "Quando as pessoas acreditam que a economia está no rumo errado, como tem sido apontado por analistas de mercado, elas tendem a diminuir os gastos. Isso vai dos grandes empresários, que investem menos no negócio, até o público em geral, que tende a adiar compras grandes", diz. O crédito deve ficar mais restrito e os consumidores, mais cautelosos.
Dicas para quem quer financiar um carro agora
Diante desse cenário, quem está pensando em financiar um veículo deve agir com cautela. Igor Lucena dá algumas recomendações:
Se puder, espere até 2027: para quem tem um carro em boas condições e pode adiar a troca, pode ser uma boa ideia esperar até que as taxas de juros voltem a cair. "Se o seu carro é novo e você pode aguentar até 2027, não troque agora", aconselha.
Se precisar comprar, faça isso o quanto antes: se a compra for inevitável, a recomendação é fechar o financiamento o mais rápido possível, antes que as taxas subam ainda mais. "Essas taxas de juros podem chegar a 16% ao ano", alerta o economista.
Dê uma entrada maior: quanto maior for o valor de partida, menor será o saldo financiado e, consequentemente, os juros pagos ao longo dos anos. A chance de ter o pedido de empréstimo aprovado também aumenta.
Prefira taxas fixas: o ideal é optar por um financiamento com taxa prefixada, pois isso garante previsibilidade no orçamento. "Taxa pós-fixada hoje é um risco. A gente não sabe ainda qual será o fim do ciclo de alta da Selic", diz Lucena.
Reportagem
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