Por que faz sentido tributar os dividendos?

há 2 meses 3

Muita gente perguntou à coluna se faz sentido o governo querer tributar os dividendos distribuídos aos acionistas das empresas (de modo direto ou indireto, como previsto na proposta de imposto mínimo para os milionários) se o lucro das empresas já foi tributado. A melhor forma de sanar essa dúvida é olhar para o que a maioria dos países do mundo faz em relação a isso.

Entre os 38 países da OCDE, apenas Estônia e Letônia concentram toda a tributação do lucro na empresa e isentam a distribuição de dividendos para os acionistas, a exemplo do Brasil. Todos os demais países da OCDE e a maioria do resto do mundo tributam o lucro em duas etapas: na empresa e ao nível do acionista.

O modelo adotado pelos países para tributar esse lucro na empresa e depois no acionista varia, mas em média a alíquota sobre o lucro da empresa está em 23,6%, enquanto a tributação dos dividendos distribuídos na pessoa física chega a 24,6%.

As razões para os países escolherem esse tipo de modelo são variadas, mas hoje existe praticamente um consenso de que concentrar toda a tributação na empresa é algo ruim.

Em primeiro lugar porque, diante de um cenário de competição tributária internacional acirrada, uma alíquota alta sobre o lucro das empresas reduz as chances de uma empresa multinacional escolher o Brasil para investir.

A tributação sobre os dividendos, por outro lado, não interfere no lugar que as empresas escolhem para se instalar —da mesma forma como ocorre com o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) no destino. Debate, aliás, que foi feito durante a reforma tributária do consumo aprovada no ano passado pelo Congresso.

Além disso, a tributação de dividendos permite diferenciar as alíquotas de acordo com o valor recebido individualmente, cobrando mais de quem ganha mais (a chamada progressividade).

Diante dessa realidade, não parece haver qualquer razão convincente para o Brasil manter o modelo atual, com toda a tributação concentrada na empresa. Nem mesmo a facilidade de arrecadação para o governo parece justificar, já que as empresas cada vez mais se utilizam de benefícios fiscais e brechas da legislação para escapar do IRPJ (imposto de renda das empresas) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Isso tudo acaba criando uma enorme discrepância no nível real de tributação das empresas.

Como mostram os estudos da Receita Federal, as alíquotas efetivas de IRPJ e CSLL variam entre 20% e 35% entre empresas do lucro real e caem para 4% e 11% no caso das empresas do Simples e lucro presumido. Essa desigualdade é prejudicial para a eficiência da economia, como apontam diferentes estudiosos do tema.

Precisamos refletir seriamente sobre o quanto ainda vamos nos manter presos a um modelo de tributação que claramente diverge das tendências internacionais e gera injustiça e ineficiência.

Não dá para confundir o debate sobre essa mudança estrutural de modelo com eventuais propostas que visem aumentar a arrecadação do governo, como as enviadas recentemente pelo ministro Fernando Haddad, de alta da CSLL e do JCP (Juros sobre Capital Próprio).

O nível de carga tributária que temos no Brasil é uma escolha política e uma imposição da situação fiscal, mas é possível arrecadar o mesmo volume de recursos de diferentes formas.

Está na hora de buscar um modelo mais moderno e inteligente, como foi feito no caso do futuro IVA.

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