A última semana de novembro prometia ser mais uma semana comum para João Marinho Neto.
O ex-pecuarista estava apenas aguardando o almoço —o frango de panela habitual na casa de repouso onde ele mora, na pequena cidade de Apuiarés, no Ceará, a 130 km da capital do Estado, Fortaleza.
Mas ele logo chegaria às manchetes nacionais e internacionais. Com 112 anos, Neto passou a ser o homem mais velho do mundo. "E sou também o mais bonito", brincou ele para a enfermeira que lhe deu a notícia.
Neto "herdou" o lugar no Livro Guinness dos Recordes com a morte do britânico John Tinniswood, em 25 de novembro. Ele também tinha 112 anos de idade.
Atualmente, a pessoa mais velha do mundo é a japonesa Tomiko Itooka, de 116 anos. Mas Itooka também é uma recordista relativamente nova. Ela foi "coroada" em agosto passado.
Neto e Itooka fazem parte do seleto grupo dos centenários, que vem crescendo em todo o mundo.
Quase 1 milhão de centenários
A Divisão de População da ONU (Organização das Nações Unidas) estima que, em 2024, cerca de 588 mil pessoas vivas no planeta tenham comemorado seu 100º aniversário. A tendência é que este número se aproxime da marca de 1 milhão até o final da década.
Em 1990, apenas 92 mil pessoas atingiram o marco dos três dígitos.
O ser humano percorreu um longo caminho em termos de expectativa de vida, graças aos avanços em uma série de áreas que nos deram melhores medicamentos, boa alimentação e condições de vida vantajosas, em comparação com nossos ancestrais.
Em média, uma pessoa que nasceu em 1960 (o primeiro ano em que a ONU começou a manter dados globais sobre longevidade) tinha expectativa de vida de cerca de 52 anos.
Seis décadas depois, a expectativa de vida global média é de 73 anos e a ONU projeta que ela irá atingir 77 anos até 2050.
Ou seja, mesmo com todos os avanços, chegar a 100 anos não é pouca coisa. As pessoas que atingiram essa idade representavam apenas 0,007% da população mundial em 2023, segundo os dados da ONU.
E os cientistas alertam que a possibilidade de atingir 100 anos de idade ainda é pequena para a maioria de nós. Um estudo de 2024, do Instituto Nacional de Pesquisas Demográficas da França, estimou que menos de 2% dos meninos e menos de 5% das meninas nascidas em 2023 irão atingir esta marca.
Além disso, a maioria das pessoas que chega à velhice provavelmente irá sofrer de doenças crônicas.
"Viver mais não é sinônimo de viver bem", diz Janet Lord, professora de Biologia Celular da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.
Lord explica que, em média, os homens passam seus últimos 16 anos de vida enfrentando condições que vão de diabetes à demência. Para as mulheres, este tempo sobe para 19 anos.
Qual é o segredo dos 'supercentenários'?
Se comemorar 100 aniversários já é difícil, imagine seguir ainda mais além.
Nos Estados Unidos, um estudo de longo prazo da Universidade de Boston estimou que apenas 1 em cada 5 milhões de americanos atinge o estágio "supercentenário" —quando se ultrapassa os 110 anos.
Esta taxa, porém, vem aumentando. O número de americanos com 100 anos de idade ou mais aumentou de cerca de 50 mil em 2010 para mais de 80 mil em 2020, segundo os números do Censo dos Estados Unidos.
Os "supercentenários" naturalmente atraem muita atenção dos cientistas que estudam o envelhecimento humano.
"Esses indivíduos desafiam o que acontece com a maioria das pessoas na velhice. E ainda não temos certeza do porquê", segundo Lord.
Além da longevidade, os supercentenários se destacam por terem uma saúde relativamente boa para sua idade.
Neto, por exemplo, exceto pela sua visão bastante fraca, não tem outros problemas de saúde, segundo Aleluia Teixeira, uma das enfermeiras que cuida do supercentenário.
"Ele não precisa de medicamentos, nem tem histórico de doenças graves. Ele tem 112 anos!", declarou ela à BBC.
O que intriga ainda mais os especialistas em idade é o fato que algumas pessoas que chegam aos 100 anos ou mais não são exatamente um exemplo de boas práticas em saúde.
Neto, por exemplo, viveu uma vida bastante limpa e foi abstêmio, segundo seu filho mais velho, Antônio. Mas outros supercentenários foram, digamos, um pouco mais descuidados.
A francesa Jeanne Calment morreu em 1997, com 122 anos de idade. Oficialmente, ela é o único ser humano a ter ultrapassado os 120 anos. Mas Calment era fumante e adorava uma barra de chocolate.
Mais surpreendentemente, um artigo de 2011, publicado no periódico científico Journal of the American Geriatric Society, estudou um grupo de 400 judeus americanos com 95 anos ou mais —e encontrou uma profusão de maus hábitos.
Quase 60% dos participantes eram fumantes contumazes, metade deles tinha sido obesa durante a maior parte da vida e apenas 3% eram vegetarianos.
Isso sem falar em outros dados surpreendentes —muitos deles não faziam exercício, nem mesmo de forma moderada.
"A primeira coisa que precisamos dizer às pessoas interessadas em viver tanto tempo é não seguir dicas de estilo de vida de centenários ou supercentenários", orienta Richard Faragher, professor de biogerontologia da Universidade de Brighton, no Reino Unido, um dos principais especialistas em estudos do envelhecimento.
"Há algo excepcional sobre eles. Porque muitos fazem exatamente o oposto do que sabemos que pode ajudar alguém a viver mais", acrescenta o especialista.
Os cientistas suspeitam que a genética desempenhe um papel importante na longevidade.
Os centenários (e supercentenários) parecem ser capazes de se proteger contra o desgaste que afeta os mais jovens com o passar do tempo. Eles também se mostram capazes de compensar até mesmo hábitos pouco saudáveis que levam a maioria de nós à morte precoce.
O número crescente de pessoas chegando aos 100 anos também levou os cientistas a questionar se os limites da longevidade humana também serão estendidos.
Pesquisadores da Universidade de Washington, nos EUA, afirmam que a longevidade extrema atingirá novos limites ainda neste século —e possivelmente resultará em casos de pessoas que irão assoprar 125 ou até 130 velinhas nos seus bolos de aniversário.
"Acreditamos que é quase certo que alguém quebrará o atual recorde de idade até 2100 e que é bem possível que alguém possa viver até os 126, 128 ou 130 anos", estima Michael Pearce, estatístico e um dos autores do estudo.
Pearce e o professor Adrian Raftery usaram o International Database on Longevity, uma base de dados sobre expectativa de vida, para simular os limites de longevidade para as próximas décadas. Eles concluíram que há uma probabilidade próxima dos 100% de que o recorde de Calment será batido e uma chance de 68% de que alguém comemore em breve um aniversário de 127 anos.
O fato de ser mulher também ajuda. No dia 9 de dezembro de 2024, as 53 pessoas mais velhas do mundo são mulheres. Neto é o 54º.
As regras do jogo do envelhecimento
Há, no entanto, muitas perguntas que a ciência ainda precisa responder para entender completamente o quebra-cabeça do envelhecimento.
Especialistas como Richard Siow, diretor de Pesquisas do Envelhecimento do King's College de Londres, acreditam que esse entendimento é crucial para abordar questões de qualidade de vida com uma população global cada vez mais envelhecida. A ONU calcula que o mundo já é habitado por mais pessoas com mais de 65 anos do que por crianças com menos de 5 anos de idade.
"A grande questão aqui não é discutir quanto tempo podemos viver, mas como podemos retardar o início do declínio relacionado à idade e permanecer saudáveis por mais tempo do que agora", aponta Siow.
"Desta forma, se tivermos a sorte de chegar à velhice, poderemos aproveitar esses anos, em vez de vivê-los em sofrimento."
Organizações como a HelpAge International, uma rede que oferece apoio a idosos em todo o mundo, apontam que essa filosofia é crucial para ajudar a abordar o envelhecimento da população como uma oportunidade, não como um fardo para os sistemas de saúde e bem-estar social.
"Essa visão fatalista que fala do envelhecimento como um problema não é o nosso alvo", argumenta Eduardo Klien, porta-voz da HelpAge.
"Os idosos com boa saúde oferecem um enorme potencial para as sociedades de várias maneiras, inclusive na economia."
A proporção de centenários no Reino Unido atingiu um recorde em 2020 e a tendência é que esse número só cresça daqui em diante.
No Brasil, o número também é crescente. Segundo o último Censo do IBGE, havia em 2022 quase 38 mil centenários.
*Com colaboração de Josué Seixas