As montadoras japonesas Honda e Nissan estão discutindo uma possível fusão, na tentativa de compartilhar custos e ajudar a competir em uma indústria em rápida mudança e cada vez mais competitiva.
Mas uma fusão, mesmo entre duas empresas do mesmo país, não é garantia de sucesso, e a história dos acordos automotivos está repleta de falhas e decepções.
Combinar duas grandes operações de manufatura globais é uma tarefa incrivelmente difícil que envolve reconciliar diferentes tecnologias, modelos e abordagens de negócios. O sucesso de uma fusão depende de conseguir que gerentes e engenheiros ambiciosos, que passaram décadas competindo entre si, cooperem. Equipes e projetos precisam ser descartados ou alterados, e executivos devem ceder poder a outros. Em alguns casos, as empresas em fusão são prejudicadas por líderes eleitos que as obrigam a manter fábricas deficitárias em operação.
Thomas Stallkamp, um consultor automotivo baseado em Michigan, esteve envolvido nas dificuldades de uma das maiores fusões automotivas: a fusão de 1998 da Chrysler com a empresa alemã Daimler. Stallkamp passou anos em cargos seniores na Chrysler e DaimlerChrysler.
"As montadoras são grandes, complicadas organizações, com grandes equipes de engenharia, fábricas de manufatura em todo o mundo, centenas de milhares de funcionários, em um negócio intensivo em capital", disse Stallkamp. "Você tenta juntar duas delas e enfrenta muitos egos e disputas internas, então é muito, muito difícil fazer funcionar."
Folha Mercado
Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes.
A Honda e a Nissan anunciaram planos este ano para trabalhar juntas em veículos elétricos e, na segunda-feira (23), começaram formalmente a discutir a extensão dessa cooperação para uma fusão que também poderia incluir a Mitsubishi Motors, uma fabricante menor que trabalha de perto com a Nissan. Uma união reuniria as segunda e terceira maiores montadoras do Japão, depois da Toyota, e criaria uma empresa que seria a terceira maior do mundo em número de carros produzidos, depois da Toyota e Volkswagen.
As discussões sobre fusão foram motivadas pelas dificuldades que as empresas enfrentam em todo o mundo.
O principal desses problemas é que as vendas despencaram na China, o maior mercado automotivo do mundo. Os compradores de carros chineses estão se movendo muito mais rapidamente para carros e caminhões elétricos e híbridos plug-in do que a maioria dos especialistas da indústria esperava. A Honda e a Nissan oferecem poucos desses modelos, que agora representam mais da metade de todos os carros vendidos na China. As empresas que estão se saindo melhor na transição dos carros a gasolina são fabricantes domésticos como BYD e SAIC, além da Tesla.
No mês passado, a Honda disse que esperava que o lucro líquido para o ano fiscal que termina em março caísse 14% e reduziu sua previsão de vendas globais de veículos para 3,8 milhões, de 3,9 milhões, em grande parte devido às suas dificuldades na China, que antes representava cerca de um terço de suas vendas.
A Nissan tem problemas mais significativos do que a Honda e, nos últimos anos, passou por uma turbulência gerencial. Nos Estados Unidos, um mercado crítico onde a Nissan costumava obter lucros significativos, a participação de mercado da empresa caiu drasticamente enquanto luta para vender carros e caminhões que não receberam atualizações significativas nos últimos anos. No período de abril a setembro, o lucro operacional da Nissan despencou 90%, e a montadora recentemente disse que pretendia demitir 9.000 funcionários em todo o mundo e cortar a produção global em cerca de 20%.
Uma fusão poderia ajudar a Honda e a Nissan a desenvolver carros elétricos mais rapidamente e a um custo menor —em teoria. Mas outras empresas têm lutado para alcançar tais ganhos na prática, muitas vezes porque as prioridades das empresas que trabalham juntas frequentemente mudam e divergem. A Ford Motor e a Volkswagen se uniram há alguns anos para trabalhar em VEs e tecnologia de direção autônoma. Mas as empresas fecharam seu negócio de carros autônomos e colheram poucos benefícios da colaboração em VEs.
A Honda teve uma parceria com a General Motors e atualmente vende dois SUVs elétricos —o Honda Prologue e o Acura ZDX— que são fabricados pela GM. Mas as empresas decidiram não estender a parceria além desses dois modelos, e a GM agora está explorando maneiras de trabalhar com a Hyundai, uma montadora sul-coreana.
Ainda assim, analistas disseram que uma fusão entre a Honda e a Nissan poderia ajudar ambas as empresas. Nos Estados Unidos, as duas empresas têm linhas de produtos semelhantes focadas em carros e SUVs de pequeno e médio porte, como o Sentra, Altima e Rogue da Nissan e o Civic, Accord e CRV da Honda.
Sam Fiorani, vice-presidente da Auto Forecast Solutions, uma empresa de pesquisa, disse que a Nissan tem a tecnologia para construir caminhonetes de grande porte compradas por muitos americanos, algo que a Honda não possui. "Isso é algo que poderia ser valioso para a Honda no futuro", disse ele.
No lado da produção, a Nissan tem duas fábricas de montagem de veículos nos Estados Unidos e a Honda tem quatro. Cada uma também possui fábricas de motores e transmissões e centros de engenharia.
Em teoria, elas poderiam colher economias combinando suas operações, fechando algumas fábricas e locais e eliminando empregos. Mas é aí que as dificuldades provavelmente surgirão.
"Isso significa que um dos dois parceiros de fusão vai desmantelar sua organização de desenvolvimento ou descartar seu programa de motores, e é aí que você sempre encontra forte resistência", disse Stallkamp. "Quando chega a hora, nenhum dos lados quer sofrer o impacto."
Em muitos casos, as medidas de redução de tamanho enfrentam oposição política porque os governos pressionam as empresas a preservar empregos. A Stellantis foi formada em uma fusão de 2021 da Peugeot da França e da Fiat Chrysler, e os governos francês e italiano lutaram para impedir que a empresa combinada fechasse fábricas.
Após algum sucesso inicial, a Stellantis este ano sofreu uma queda nas vendas de veículos e uma queda no lucro. O CEO que ajudou a conduzir a fusão, Carlos Tavares, renunciou este mês. A empresa, agora administrada por um comitê do conselho, está procurando um novo executivo principal e descartando partes da estratégia que implementou após a fusão.
Por mais de duas décadas, a Nissan foi o parceiro júnior em uma aliança com a Renault. A parceria salvou a Nissan do colapso e ajudou-a a se tornar lucrativa, mas nenhuma das empresas viu o tipo de sucesso a longo prazo que havia sido imaginado por Carlos Ghosn, que liderou a aliança e serviu como CEO de ambas as empresas.
Eventualmente, os executivos da Nissan se irritaram por serem efetivamente controlados pela Renault. Em 2018, Ghosn foi preso e encarcerado no Japão sob acusações de irregularidades financeiras. Ele fugiu para o Líbano antes de um julgamento. A Renault ainda possui uma participação significativa na Nissan, mas as duas não trabalham tão de perto quanto costumavam.
A DaimlerChrysler enfrentou poucas batalhas sobre o fechamento de fábricas, mas lutou para fundir uma fabricante de carros de luxo com uma montadora que fazia modelos mais acessíveis. A empresa combinada tinha uma estrutura de gestão instável que incluía dois executivos compartilhando o poder no topo, e com vastas diferenças culturais entre suas operações alemãs e americanas. Os dois lados se separaram em 2007, após nove anos.
"Foi uma batalha constante de egos de ambos os lados", disse Stallkamp.
Outras parcerias que se mostraram decepcionantes incluem a aquisição da Rover britânica pela BMW na década de 1990. A Ford possuía total ou parcialmente a Jaguar Land Rover, Mazda e Volvo, mas vendeu esses ativos durante e após a crise financeira de 2008.
Algumas fusões automotivas parecem ter correspondido às expectativas. A Fiat Chrysler —formada quando a Fiat, uma montadora italiana, assumiu a Chrysler enquanto a empresa americana emergia da falência— é um exemplo de uma fusão que pareceu florescer. Sob seu CEO, Sergio Marchionne, a parte Chrysler do negócio, que também incluía as marcas Dodge, Jeep e Ram, se recuperou e se tornou a metade mais lucrativa da empresa combinada.
As montadoras sul-coreanas Hyundai e Kia, que estão em uma aliança desde 1998, são juntas uma das maiores montadoras do mundo e têm desfrutado de forte crescimento nos últimos anos. Elas compartilham recursos de desenvolvimento, engenharia e manufatura, mas têm operações de vendas e marketing separadas.
Marc Cannon, um consultor que foi executivo sênior na AutoNation, um grande varejista automotivo, disse que a Honda e a Nissan poderiam tentar emular a Hyundai e a Kia, mas expressou dúvidas sobre o quão bem as empresas japonesas se sairiam.
"A Honda ainda é uma grande marca com ótimos produtos. A marca da Nissan foi danificada com toda a turbulência que tiveram nos últimos anos, e sua qualidade não é ótima", disse Cannon. "Então, isso não faz muito sentido para mim. Por que a Honda estaria interessada em assumir os problemas da Nissan?"