Por que a geração Z decretou o fim da calça skinny e a ascensão da roupa larga

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"Por que você não usa roupa do seu tamanho?" Essa é uma pergunta que Kauhê Sobrinho, de 19 anos, ouve com frequência de pessoas mais velhas. O universitário aboliu vestimentas justas de seu guarda-roupa e só usa peças largas. "Falam que cabem duas pessoas nas minhas calças, mas eu sinto que elas são mais estilosas do que as apertadas." O estudante de letras não é o único a pensar desse jeito.

De acordo com o Google Trends, as buscas no Brasil pelo termo "camisa oversized" dobraram no ano passado em comparação com 2023, atingindo o maior patamar desde 2004, quando a série histórica começou. O interesse pelas chamadas baggy pants —as calças extragrandes —também está em curva ascendente. De acordo com a plataforma, a procura por elas cresceu 460% entre 2020 a 2024.

Billie Eilish é a grande representante desse estilo entre os famosos, mas ela não é a única. Artistas como Rihanna, Kanye West e Zendaya já foram clicados usando peças extragrandes.

Empresas de vestuário sentem nas vendas as reverberações dessa tendência. Diretora de estilo da Renner, Juliana Frasca diz que há um aumento contínuo na demanda por camisas amplas e jeans de modelagem mais solta.

"Essa é uma categoria que tem conquistado cada vez mais destaque, refletindo o desejo por roupas que aliam conforto e estilo de maneira autêntica."

Cenário parecido foi constatado pela Another Place, marca queridinha dos mais jovens. "No ano passado, essa tendência deu uma boa explodida. O nosso best-seller em 2024 foi a calça baggy, que é praticamente um balão", diz Rafael Nascimento, diretor criativo da empresa.

O aumento da popularidade desses modelos, no entanto, fez uma vítima. A calça skinny, famosa nos anos 2000 por seu caimento justíssimo, tem sido preterida por peças mais largas. "A gente até lançou uma skinny há uns seis meses, mas a saída é muito menor em comparação com as outras."

Se depender de Kauhê, o estudante de letras, o item continuará em baixa. "Eu jamais usaria. Em hipótese nenhuma. Não conheço ninguém que usaria também. Se eu colocar uma calça apertada, acho que o mundo acaba."

A valorização de caimentos largos têm sido puxada por pessoas que estão na faixa etária de Kauhê, ou seja, jovens da geração Z. Rede social favorita dos fashionistas para descobrir ideias, o Pinterest mostra que internautas entre 18 e 24 anos são os que mais procuram por itens folgados.

"Essa silhueta que a geração Z escolheu é uma forma de construir identidade", afirma o sociólogo Dario Caldas, diretor do escritório de tendências Observatório de Sinais. Para o especialista, essa construção identitária acontece por meio da oposição estética de quem veio antes deles.

"Nesse caso, quem veio antes foram os millennials, uma geração mais associada à calça skinny, roupas justas e à exposição do corpo."

Os primeiros sinais dessa oposição ficaram evidentes em 2021. À época, a geração Z lançou uma investida contra os millennials nas redes sociais, tachando os hábitos dessa geração de cringe, algo como vergonhoso, em português. A lista de práticas consideradas reprováveis incluía tomar café da manhã, usar Facebook e, claro, vestir calça skinny.

Além de se opor a gerações anteriores, Dario diz que a predileção dos jovens pelo extragrande é uma forma de fazer frente a padrões estéticos. "A pressão sobre o corpo e a valorização da magreza continuam muito fortes. De certa forma, roupas largas anulam essas tensões ao dissimular as formas."

A avaliação do especialista se confirma entre os jovens. A universitária Alice DellaPiazza, de 20 anos, diz que peças largas a deixam mais à vontade com o próprio corpo.

"Eu tenho inseguranças, como, por exemplo, com a minha perna. Então, short é uma coisa que eu não usaria no dia a dia", diz ela. "Para Carnaval ou baladas, eu escolho ir de calça por me sentir mais confortável."

O conforto, aliás, aparece de forma recorrente como um dos atrativos de vestuários mais amplos. "Eu não usaria calça skinny justamente por não proporcionar conforto para mim e para boa parte da minha geração."

Apesar de confortáveis, roupas largas não são um consenso. Há quem torça o nariz afirmando que esses modelos são informais e desleixados demais. Também existem aqueles que não consideram esse vestuário adequado para as mulheres.

"Acham que é um estilo mais masculino. Muita gente confunde roupa com orientação sexual e acha que uma menina usando oversized não deve ser hétero", diz DellaPiazza. "Mas acho importante fugir desse preconceito em relação ao que é considerado masculino e feminino."

Para essa geração, estilo e liberdade caminham lado a lado. É isso o que afirma Lorenzo Merlino, professor de moda da Faap, a Fundação Armando Alvares Penteado. "Eles não querem que roupa seja uma amarra ou uma armadura. E eu digo isso em todos os sentidos, inclusive no de gênero."

De acordo com o especialista, a história da moda é marcada por alternâncias de modelagem. Na Grécia Antiga, por exemplo, ela costumava ser mais folgada, razão pela qual túnicas e chitons eram comuns. Já a partir da Renascença, houve o predomínio de roupas rígidas e rentes ao corpo, com a prevalência de corpetes para as mulheres e gibões no caso dos homens.

"No século 18, acontece outra mudança", diz Merlino. "As mulheres começam a abandonar o corpete e passam a usar vestidos mais soltos e mais confortáveis."

De acordo com o especialista, esse processo se fortalece no começo do século 20, quando o estilista francês Paul Poiret revolucionou a silhueta feminina a propor roupas com uma estrutura mais larga e fluida. Começa aí os primórdios daquilo que se convencionou chamar de oversized.

Nos anos 1980, esse estilo ganhou tração por influência da moda de rua, sobretudo entre rappers, grafiteiros e skatistas. "Hoje, o streetwear tem um espaço muito grande dentro do mercado, seja ele de luxo, seja de alta produção", afirma Mário Queiroz, designer de moda e doutor em comunicação e semiótica pela PUC-SP.

Grifes como Gucci, Balenciaga e Louis Vuitton de fato têm apostado em coleções inspiradas nas ruas, com o predomínio de tênis, estampas chamativas e roupas extragrandes. Para Queiroz, as marcas estão traduzindo o desejo dos mais jovens por vestuários confortáveis e autênticos.

"Eu interpreto esse estilo como um sintoma do tempo em que a gente vive. São roupas anticonformistas. É como se elas dissessem que os jovens não aceitam determinadas regras de elegância", afirma o especialista. "Usar peças maiores é uma forma autoral de se manifestar."

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