O projeto de lei que restringe os supersalários no setor público será inócuo no combate a privilégios e na redução das despesas do governo caso o Senado não corte exceções que hoje constam na proposta. O alerta é do professor associado da Fundação Dom Cabral Bruno Carazza.
Carazza diz que o projeto pode abrir uma porteira e aumentar as despesas da folha de salários do setor público.
Autor do livro "O País dos Privilégios: os novos e velhos donos do poder", ele calcula que cerca de R$ 20 bilhões dos chamados penduricalhos (benefícios que turbinam os salários dos servidores públicos) escapam do teto remuneratório do funcionalismo público, que tem como base o salário dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), atualmente em R$ 44 mil.
Os penduricalhos se somam aos vencimentos dos servidores e acabam permitindo o pagamento dos salários em valores muitos superiores ao teto.
"O céu é o limite", diz Carazza. Segundo ele, além de aumentarem as despesas públicas, os supersalários minam a credibilidade das carreiras públicas com a percepção na sociedade –equivocada na maioria dos casos– de que todo servidor público é Marajá.
No Judiciário, Carazza estima R$ 8 bilhões de verbas que ficam fora do teto salarial. "Quando a gente olha no Judiciário e no Ministério Público, aí a criatividade não tem limites", critica.
O tema voltou ao debate nacional com a inclusão do projeto pela equipe econômica na lista de medidas em estudo pelo governo para reduzir as despesas obrigatórias. A expectativa é que o pacote seja divulgado a partir da próxima semana, após o segundo turno das eleições
Entidades dos setores do varejo e serviços, reunidas numa coalizão em defesa da reforma administrativa, também incluíram o projeto na lista de medidas de modernização do RH do serviço público.
O projeto dos supersalários já tramita no Congresso desde 2016, mas sofre pressão do funcionalismo público, sobretudo do Judiciário e do Ministério Público. O texto lista quais tipos de pagamentos podem ficar de fora do teto do funcionalismo público.
Na votação da Câmara, segundo Carazza, as carreiras mais poderosas do funcionalismo conseguiram incluir 32 exceções, que autorizam pagamentos acima do teto salarial. A primeira votação do Senado tinha poucas exceções. O projeto aguarda, agora, uma nova votação no Senado.
"Todos os lobbies mais poderosos conseguiram embutir no projeto os seus próprios penduricalhos como exceções. Com tantas exceções o projeto ficou inócuo e esvaziado", diz o especialista.
Para ele, há um desconhecimento por parte dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) do teor do projeto. "Eles precisam ficar atentos nas minúcias. O diabo mora nos detalhes", recomenda.
Como hoje as exceções não são previstas legalmente, elas são passíveis de serem questionadas judicialmente e revertidas. Se entrarem como exceções à lei, poderão ser legitimadas, na avaliação do economista. "Abre-se a porta para que muitas carreiras busquem não o aumento salarial, que pode bater no teto, mas turbinar esses pagamentos [fora do teto]", prevê.
Entre as exceções, estão a conversão em dinheiro de até 30 dias de férias não gozadas, os pagamentos retroativos, o auxílio-moradia e outras verbas concedidas aos juízes e membros do Ministério Público.
O economista também cita os adicionais noturnos e as horas extras, que permitem que os servidores do Congresso ganhem em algumas ocasiões mais do senadores e deputados.
De acordo com ele, outro problema do projeto é a falta de limites às verbas de representação que permitem que diplomatas brasileiros e outros servidores no exterior tenham seus vencimentos turbinados.
Folha Mercado
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Das 32 exceções, oito beneficiam os militares, como a isenção para a verba que recebem quando passam para a inatividade, auxílio farda e outras compensações.
O professor da Fundação Dom Cabral detalha como tem ocorrido o movimento de expansão da incorporação dos penduricalhos: o tribunal de algum lugar do Brasil cria um auxílio e, como há a previsão de de que a magistratura é única no Brasil, outras cortes vão replicando os benefícios. Até que num determinado momento o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) generaliza o pagamento do auxílio.
Num segundo movimento, continua Carazza, o Ministério Público entende que a sua carreira é simétrica ao Judiciário e incorpora o mesmo benefício. Ele elenca também os casos de auxílio por acúmulo de funções.
"O juiz de uma vara assume por alguns dias a direção de algum órgão administrativo. Isso é convertido numa licença em folgas, que podem ser convertidas em dinheiro", explica.
De acordo com ele, a palavra-chave para o aumento dessas exceções tem sido "indenização". O Judiciário, Ministério Público e também em alguns órgãos do Legislativo criam uma série de benefícios que têm natureza remuneratória como se fossem indenizações. Esse tipo de pagamento não está sujeito nem ao teto nem ao pagamento do Imposto de Renda.
"A criação dessas exceções é administrativa. Ela não é legal. É um entendimento administrativo desses órgãos que passam a fazer esses pagamentos", diz.
Carazza ressalta que os membros das carreiras dominam o CNJ e o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), que deveriam fazer o controle desses penduricalhos.