O diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Luiz Fernando Corrêa, tem depoimento marcado para a tarde desta quinta-feira (17) na Polícia Federal. Os investigadores estão decididos a indiciá-lo no inquérito que apura o suposto uso ilegal do órgão durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
A suspeita contra o chefe da agência de inteligência na gestão Lula (PT) é que ele tenha tentado atrapalhar as investigações policiais. A decisão também ocorre em meio à revelação de que a agência, sob Bolsonaro e Lula, teria espionado autoridades do Paraguai.
Está previsto ainda o depoimento do ex-número 2 do órgão Alessandro Moretti, demitido por Lula em janeiro do ano passado. A PF também já decidiu indiciá-lo pelas mesmas suspeitas.
Com base nas provas colhidas até aqui, investigadores decidiram que há elementos suficientes, incluindo dezenas de testemunhas, para indiciar Corrêa e Moretti. O cenário só pode mudar caso os dois apresentem defesas irrefutáveis nos depoimentos desta quinta, o que até agora é considerado improvável.
A conclusão da PF deve constar do relatório das investigações, com apresentação prevista para a próxima semana. Em seguida, o caso será analisado pela PGR (Procuradoria-Geral da República), a quem cabe decidir se oferece denúncia à Justiça, pede mais apurações da polícia ou arquiva o caso.
Politicamente, o possível indiciamento eleva a tensão entre o órgão e a agência de inteligência, que travam uma disputa de bastidores desde a transição do governo, em 2022. O chefe da Abin é auxiliar de confiança de Lula, tendo ocupado o cargo de diretor-geral da PF no segundo mandato do petista (2007-2010).
Procurados, Abin, PF e Moretti não se manifestaram.
Ao longo da apuração, a PF afirmou ter reunido depoimentos e provas documentais e técnicas que levantam a suspeita de que Corrêa e Moretti agiram para dificultar a apuração do caso. Investigadores apontam ainda que a Abin agiu fora da lei em suas atividades de inteligência.
A agência nega, afirmando ter colaborado no inquérito e atendido a todos os pedidos dos investigadores. Nos bastidores, afirma que a PF adotou uma linha distorcida na tentativa de desgastar politicamente a atual direção do órgão e forçar uma troca no comando.
A investigação teve como ponto de partida a revelação de que a Abin utilizou o software de espionagem FirstMile durante a gestão Bolsonaro para monitorar ilegalmente desafetos do governo. O inquérito para apurar o caso foi instaurado em março de 2023, já durante o mandato de Lula.
O foco inicial da investigação era o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que comandou a Abin durante a maior parte do governo Bolsonaro e é apontado como o principal personagem das apurações sobre o uso político da agência.
Houve busca e apreensão em endereços de Ramagem. A PF chegou a pedir ao STF (Supremo Tribunal Federal) a suspensão de seu mandato parlamentar, mas a medida não teve a concordância da PGR e foi negada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso.
O vereador Carlos Bolsonaro (PL), filho do ex-presidente e que chefiaria o chamado "gabinete do ódio", também é alvo do inquérito.
À medida que a investigação avançou, os relatórios passaram a mencionar a suspeita de interferência da atual gestão da Abin no andamento do caso.
Um dos pontos apresentados foi uma reunião ocorrida em março de 2023 na qual Moretti teria afirmado que a apuração possuía "fundo político e iria passar". Essa declaração foi interpretada pela PF como uma tentativa de minimizar a gravidade dos fatos e influenciar os investigados.
O depoimento que cita a frase, porém, não a atribui diretamente a Moretti, e sim à "direção-geral". Na ocasião, a PF afirmava haver um possível "conluio de parte dos investigados com a atual alta gestão da Abin".
Além disso, a polícia investiga se houve omissão de informações ou envio de dados incorretos por parte da agência, o que teria dificultado o trabalho policial, assim como formatação de computadores fora dos padrões regulares.
No caso relativo ao Paraguai, houve a revelação de uma operação de espionagem planejada na gestão Bolsonaro e que teria sido executada também durante o governo Lula, de acordo com depoimento de um agente da Abin noticiado pelo UOL e confirmado pela Folha.
A PF aponta que, também nesse caso, a gestão da Abin realizou operações de inteligência com o uso de ferramentas ilegais, fora da legislação brasileira. Investigadores avaliam manter aberta a apuração dos fatos relacionados ao Paraguai, em um novo inquérito.
A Intelis, associação que representa os servidores do órgão, divulgou nota na noite desta quarta-feira (16) com duras críticas à PF.
Citando o caso da suposta operação contra autoridades do Paraguai, a associação disse ter acionado o Ministério Público Federal para apurar o vazamento de informações sigilosas e o que veem como "ampliação indevida do escopo investigativo para temas fora da competência legal" da PF.
"A ampliação do escopo do inquérito parece servir a interesses políticos e de deslegitimização da Inteligência de Estado. É inadmissível e nocivo aos propósitos de uma grande nação como o Brasil que uma campanha de descredibilização do seu serviço de Inteligência seja capitaneada, não por atores estrangeiros adversos, mas por grupos da própria administração pública nacional."