Pelos sexos de cobras e tartarugas, biólogo Patrik Viana olha para futuro climático de répteis

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A quase morte de uma jiboia permanece viva na memória de Patrik Ferreira Viana, 33. A intercessão de sua mãe junto aos quase assassinos salvou o animal e talvez tenha, acidentalmente, mostrado um caminho para Viana. Hoje, além de dedicar parte de sua pesquisa à espécie e sua família —à da serpente, Boidae—, tenta entender como a crise climática, mais uma ameaça humana, pode afetar outro réptil, as tartarugas-da-Amazônia.

Viana, pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), é um dos nomes escolhidos para participar da série Folha Descobertas, iniciativa da Folha em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein.

Grande parte da pesquisa dele é destinada à compreensão da determinação sexual na herpetofauna, que são os anfíbios e répteis.

Estamos acostumados à ideia de que a determinação de sexo biológico dos animais seja feita por meio do que chamamos de cromossomos sexuais, ou seja, basicamente, a ausência de um cromossomo e presença de outro (o X e o Y, nos humanos, por exemplo, e também presente nos Boidae).

É também a partir de cromossomos sexuais que alguns répteis, como as serpentes estudadas por Viana, têm o sexo determinado. Em outros animais dessa classe, porém, é a temperatura o principal componente para o sexo do bichinho que virá ao mundo.

Viana, então, passou a tentar compreender se a história dos cromossomos sexuais nas serpentes, mais especificamente na família Boidae, era algo tão antigo quanto a própria origem da família. Era necessário olhar para além da Amazônia e do Brasil e ver as serpentes aparentadas, separadas pela distância, por terra e oceanos. Para isso, olhou também, por exemplo, para a família Pythonidae, que ocorre na África e na Ásia.

Expandindo além dos Boidae, o pesquisador diz que observou algo muito mais complexo do que imaginava.

"Acabei comparando os cromossomos sexuais ao longo da história evolutiva das serpentes, ou seja, peguei grupos muito antigos, grupos intermediários e grupos mais recentes ao longo da história evolutiva e comparei o cromossomo sexual deles", diz o cientista. "Eu consegui descobrir que esses animais possuem cromossomos sexuais de origem independente. Nesses grupos mais antigos eles tiveram uma origem e nos grupos intermediários, nos grupos mais recentes, eles tiveram uma origem completamente diferente. Basicamente uma convergência evolutiva no modo de determinação do sexo."

Segundo Viana, os répteis são um grupo muito interessante para o estudo da evolução da determinação sexual.

De um lado estão as serpentes que, como visto acima, possuem cromossomos sexuais apontando o sexo. De outro, estão os lagartos, um grupo irmão das serpentes, onde ocorre uma "salada" na determinação de sexo, com animais que o fazem por meios de cromossomos sexuais XY e ZW (em linhas gerais, no primeiro a definição do sexo ocorre pelo lado do pai e, no segundo, pela mãe) e outros por meio de variáveis de temperatura —especialmente os graus Celsius sob os quais os ovos são incubados.

A mesma mistura de formas de determinação sexual é vista nos quelônios, afirma o pesquisador.

O que Viana conseguiu concluir durante suas pesquisas —parte delas premiada, em 2021, com o prêmio Capes na categoria Ciências Biológicas I— é uma espécie de transição, de vai e vem no decorrer da história evolutiva, dentro dos répteis, entre determinação sexual por meio de temperatura e por cromossomos sexuais.

"Essas transições entre temperatura e genes e cromossomos sexuais ocorrem, e já foram muito bem documentadas em vários grupos animados, em seu próprio passo evolutivo, a seu próprio tempo, ao longo de milhares e milhares de anos", diz Viana, apontando as diferentes pressões evolutivas, como a temperatura do planeta, que podem entrar nessa equação de evolução das espécies.

Ao ler as palavras "temperatura" e "planeta" juntas, talvez, neste momento, você já sinta do que vamos falar em seguida. Sim, a crise climática.

As tartarugas-da-Amazônia e a crise climática

Se há espécies que possuem uma determinação de sexo associada à temperatura de incubação dos ovos, então o que podemos esperar… ou melhor, o que essas espécies podem esperar da nova realidade climática, continuamente mais e mais quente, construída graças às emissões de gases estufa pelos seres humanos?

É exatamente essa pergunta que Viana tem tentado responder em seu projeto atual, dedicado às tartarugas-da-Amazônia (Podocnemis expansa).

Segundo o cientista do Inpa, as temperaturas mais altas de incubação de ovos da tartaruga-da-Amazônia levam a uma determinação sexual de fêmeas. De uma forma resumida e simplificada, "se subir muito, muito, muito a temperatura, só vai ter fêmea, não vai ter mais macho, os bichos não vão reproduzir e vai entrar em declínio populacional", diz o pesquisador, que destaca o papel simbólico, e a importância cultural e inclusive alimentar —muitas populações tradicionais usam o animal como forma de alimento— da tartaruga-da-Amazônia na região.

Para tentar entender o que vai acontecer com essas tartarugas no quente futuro da Terra, Viana participa de um projeto no Inpa que construiu, em quatro salas, alguns de nossos possíveis futuros climáticos.

Em uma delas, que seria a sala-controle, temos o clima atual, levando em conta parâmetros de temperatura e concentração de CO2. "Os indivíduos do cenário controle têm, depois de oito meses de exposição, o tamanho esperado para a espécie. Todo mundo cresceu, todo mundo engordou, todo mundo aumentou de carapaça, de largura, de comprimento. É o esperado", afirma o pesquisador.

A quarta sala do projeto seria o cenário mais extremo de temperatura. "Os animais estão quase com o triplo do tamanho, ou seja, eles cresceram demais, eles ganharam peso demais", diz Viana.

Você pode pensar que crescer mais poderia ser visto como algo positivo. Mas não é exatamente isso que os pesquisadores envolvidos têm encontrado nesse estudo ainda em andamento.

O que tem se percebido são alterações genéticas que podem ser muito importantes. Segundo Viana, até agora foi possível perceber o silenciamento de parte importantes do genoma desses animais —nem tudo no DNA de animais está de fato "ativo"; algumas partes, apesar de estarem ali, não são lidas nos processos de produção de proteínas no corpo, elas estão, portanto, silenciadas.

"De fato há alguma coisa acontecendo, tem alguma coisa sendo modulada no genoma dessas espécies e, aparentemente, de forma negativa, perdendo genes muito importantes", afirma Viana.

E mesmo nos cenários com alterações menos drásticas, diz o cientista, os impactos na espécie já é considerável.

Apesar de um futuro incerto, a expectativa de Viana é conseguir, de alguma forma, contribuir não só no mundo acadêmico, mas especialmente fora. Afinal, criado às margens dos rios amazônicos, ele conhece bem a realidade dos povos da Amazônia. "É minha casa, né?", resume o cientista.


Folha Descobertas

A série apresenta, quinzenalmente, os perfis de dez jovens pesquisadores brasileiros de diferentes áreas de atuação e regiões do país. Para chegar aos nomes deles, a seleção partiu de indicações de um comitê formado por figuras de destaque do cenário científico nacional.

A série Folha Descobertas é uma parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein

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