Dezesseis anos após a primeira montagem, a comédia "TOC TOC", escrita pelo francês Laurent Baffie, reestreia em São Paulo com a missão de fazer rir e, ao mesmo tempo, provocar reflexão sobre o transtorno obsessivo compulsivo, um distúrbio que afeta 4 milhões de pessoas no Brasil.
"Andamos em um fio de navalha muito delicado. Não pode parecer que estamos tirando sarro", afirma o diretor Alexandre Reinecke, encenador também do espetáculo original.
É nessa fronteira que circulam os personagens interpretados por Danielle Winits, André Gonçalves, Cláudia Ohana, Riba Carlovich, Miguel Menezzes e Maria Helena Chira.
Eles se encontram em uma sala de espera de consultório e, enquanto aguardam a chegada do médico, são obrigados a conviver e lidar com as próprias obsessões. O público vê, entre crises, brigas e risadas, como cada um convive com seu TOC.
Winits, que estava no elenco da recém-encerrada novela "Família é Tudo", interpreta Branca, uma mulher com mania de limpeza. "Apesar de estarmos fazendo uma comédia, fazemos também um espetáculo para questionamentos", diz ela. "É necessário falar sobre todas as coisas e que elas não sejam censuradas. Essa é a função primordial do teatro e é por isso que ele vive até hoje".
A atriz contracena com o marido, André Gonçalves, um taxista que faz contas o tempo todo. Ohana é uma religiosa com uma mania clássica —a de verificar inúmeras vezes se apagou a luz, desligou o gás, fechou a porta.
Chira repete frases e Menezzes, metódico e organizado, não pisa em linhas no chão. Carlovich, que estava no elenco da primeira montagem, assim como Chira, faz gestos e diz palavras obscenas sem controle devido à síndrome de Tourette, também abordada na montagem. Carolina Stofella completa o elenco como a assistente do Dr. Stern, o médico que nunca chega.
A partir do estudo de vivências reais, a peça tenta evitar caricaturas. "Os franceses exploram esse humor de situação", diz Carlovich. "E a gente percebeu, na outra temporada, que quanto mais tenso, mais nervoso, quanto mais a gente entrava no personagem, mais engraçado ficava".
Filmes, séries e documentários também fazem parte da pesquisa. Menezzes, o mais jovem do elenco, com 25 anos, conta que pratica o TOC de seu personagem ao andar na rua e percebe a dificuldade de pular as linhas. "É um exercício para tentar entender o personagem e fazer o que ele faria", diz.
Estreando em comédia, Ohana conta que não tem nenhuma referência próxima de pessoa muito religiosa e com manias e, por isso, se considera em processo de construção e de descoberta do transtorno e de como interpretá-lo no palco.
Já Carlovich tem duas inspirações reais —uma é a de um passageiro de avião que perdeu o controle durante um voo, ao seu lado, e pediu para apertarem com força o cinto de segurança; o outro é de um vendedor ambulante dos Jardins, em São Paulo, que dispara palavrões quando algo dá errado.
Há uma coincidência temporal sobre "TOC TOC". A primeira montagem estreou no Teatro Cultura Artística, no centro da capital, um mês antes do local pegar fogo e precisar ser fechado. Foram 16 anos para o espaço ser recuperado e reinaugurado, justamente quando o espetáculo volta em cartaz, agora no Teatro Procópio Ferreira.
Na primeira temporada, o elenco estava em uma festa quando foi informado sobre o incêndio. O cenário sobreviveu e a peça continuou em outras salas, atraindo milhares de espectadores, inclusive pessoas que têm TOC e se emocionaram ao assistir à interpretação de histórias parecidas com as suas.
Segundo o diretor, pouca coisa foi modificada da antiga versão para a atual. "O TOC já é discutido há uns 30 anos, mas ainda tem muita gente que nem sabe que tem a doença", afirma Reinecke, reafirmando uma visão à condição humana e suas peculiaridades.