Ex-presidentes do Conselho Federal de Medicina dizem ao Painel que esperam que as eleições da entidade, marcadas para terça (6) e quarta-feira (7), levem à despolitização e à priorização da saúde pública na gestão.
Chapas formadas por médicos que lideraram a defesa de medicamentos sem eficácia contra a Covid e que encabeçam movimentos pela proibição do aborto em qualquer circunstância têm feito forte campanha nas redes sociais, com apoio de figuras como o empresário Luciano Hang, o ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga e o deputado federal Nikollas Ferreira (PL-MG).
Waldir Paiva Mesquita, que foi presidente do CFM de 1994 a 1999, diz que o fortalecimento desses grupos representa "perigo gravíssimo" e pode "ferir de morte o código de ética vigente". Segundo ele, a atual eleição tem caráter primordial e não só a classe médica deveria estar preocupada com ela, mas a sociedade como um todo.
"A gente precisa é que seja eleito um conselheiro federal de medicina que entenda que o seu papel é defender os interesses da sociedade. E na hora que eu defendo os interesses da sociedade, eu estou obrigatoriamente defendendo os interesses da categoria médica, que é ter condições normais adequadas, ter todos os meios disponíveis para atender o seu paciente", diz Mesquita.
"O Conselho se pronuncia através das suas resoluções baseadas na ciência. Eles vão se basear em questões outras que não tem nada a ver com a ciência. Questões de gênero, de comportamento, de hábitos conservadores. O Conselho Federal de Medicina não pode ter partido. O partido dele é fundamentalmente o interesse da sociedade, da saúde da sociedade brasileira", completa.
Em junho deste ano, o CFM vedou a assistolia fetal após a 22ª semana de gestação —método preconizado pela OMS para a interrupção da gravidez tardia. Essa decisão impulsionou na Câmara dos Deputados a tramitação do projeto de lei 1.904/24, que permite a prisão de quem realiza aborto após a 22ª semana de gestação, incluindo mulheres estupradas, que pelo texto podem ter pena superior a de seus agressores.
Gabriel Oselka (1984-1989) afirma que considera lamentável a institucionalização desses grupos e que torce pela renovação do CFM, contra posições anticientíficas.
"Creio que o importante desta eleição seja esquecer a politização", diz Oselka. Segundo ele, a atual gestão do CFM é "absolutamente lamentável" e, por isso, espera que haja renovação.
"Poderíamos fazer a discussão no campo da ciência e da saúde pública, que é o que creio que deveria ser o grande tema desta eleição (...) A única resposta que podemos dar é conhecer as propostas e votar de acordo com o que acreditamos que seja o melhor para a saúde da população", completa.
Edson de Oliveira Andrade (1999-2009), por sua vez, diz que a qualidade do CFM caiu muito e que a instituição tem que seguir sem influências externas, seja de bolsonaristas ou de petistas.
"O que não pode é uma instituição como o Conselho, que trata de conhecimento científico e de comportamento ético, ser caudatário dessa política miúda que está aí", afirma.
Ele diz que ser preocupa com "a servidão abjeta" do conselho durante a pandemia da Covid-19, que ressurge na abordagem recente da discussão sobre aborto.
"Você tem que colocar o CFM a serviço de melhorar políticas públicas que melhorem a vida das pessoas. E é uma vergonha esse comportamento recente (...) Considero que o aborto é sempre uma falência: social, policial, de tudo na vida. Agora, eu tenho que ter um comportamento de acolhimento e não há isso aí. É tudo fariseu", conclui.
Na eleição do CFM, cada estado e o Distrito Federal vão eleger um conselheiro titular e um suplente para os próximos cinco anos. A AMB (Associação Médica Brasileira) também indica dois médicos para compor o grupo. As quatro chapas paulistas são 1) "JUNTOS por uma categoria médica mais forte", 2) "Força Médica", 3) "ConsCiência CFM" e 4) "Experiência e Inovação".
A Força Médica, por exemplo, se define como "uma chapa de direita conservadora" e pela "defesa da vida e contra a cultura da morte" .
Um de seus representantes é Francisco Eduardo Cardoso Alves, que durante julgamento da Justiça Federal do Piauí disse que os médicos que não prescrevessem cloroquina contra a Covid-19 lavariam as mãos com o sangue das vítimas. Ele foi chamado a depor na CPI da Covid, em 2021.