O advogado Ariel de Castro Alves, ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, criticou a divergência entre o governo e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente por causa da resolução sobre garantia de acesso ao aborto legal por crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
O Conanda aprovou nesta segunda-feira (23) resolução que diz ser dever da União, estados e municípios assegurar a crianças e adolescentes e familiares, entre outros atores, o acesso à informação sobre direitos sexuais e reprodutivos.
Entre os outros pontos, a resolução indica que o acesso a informações sobre aborto legal deve ser garantido a crianças e adolescentes e veda "conduta diversa com base em convicções morais, políticas, religiosas e crenças pessoais."
O texto afirma ainda que a ausência dos pais ou responsáveis legais não impede que crianças e adolescentes tenham direito à informação, "sendo obrigatório que todas as informações e esclarecimentos sobre a interrupção da gestação sejam fornecidas de forma clara e acessível."
No Brasil, o aborto é permitido em três situações: estupro, risco de vida para a mulher e anencefalia do feto. Em nenhum dos casos existe limite de tempo gestacional para a realização do procedimento.
A resolução foi distorcida por grupos bolsonaristas, que afirmam que a resolução promove o aborto entre crianças e adolescentes.
Após a aprovação do texto, o Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania publicou nota na qual diz que parecer da consultoria jurídica do órgão indicou que a resolução apresentava definições que só poderiam ser dispostas em leis. A pasta informou ainda que todos os representantes do governo votaram contra a norma do Conanda.
"Essa divergência do Governo com a sociedade civil do Conanda não costuma ocorrer na aprovação de resoluções", afirma Ariel de Castro. "Essa falta de sintonia pode acabar enfraquecendo a normativa que foi aprovada, que já vem sendo contestada pelos setores conservadores e pela bancada evangélica no congresso."
Para ele, a postura do governo deve estimular setores contrários à resolução, como políticos conservadores, a ingressarem com ações judiciais para tentar suspender a norma. "E usarão essa falta de consenso e divergência do governo como justificativa."
"Essa publicização de antagonismo no Conanda por nota não chegou a ocorrer nem no governo anterior, do Bolsonaro", complementa.
A presidente do Conanda, Marina de Pol Poniwas, afirma que a temática da resolução não é nova no conselho. "Desde setembro, o Conanda está produzindo a minuta de resolução, aprovada hoje, que busca a proteção de crianças e adolescentes."
Ela afirma que o conselho vem realizando reuniões e disponibilizou a minuta para construção coletiva entre todos os conselheiros. "Reforçamos que todos os procedimentos internos foram seguidos de maneira rigorosa, respeitando o regimento interno do Conanda, evidenciando a legitimidade da resolução, que busca detalhar uma matéria já prevista em Lei, estabelecendo procedimentos para a garantia da proteção integral."