Proprietários de uma clínica de estética luxuosa em Goiânia (GO), Karine Gouveia e seu marido, Paulo Cesar Dias Gonçalves, são suspeitos de lesionar os pacientes. Eles estão presos há cerca de um mês.
Segundo o delegado Daniel Oliveira, da Polícia Civil, 60 pessoas apresentaram denúncias contra a clínica até dezembro, incluindo pacientes de outros estados brasileiros e até do exterior que foram a Goiânia para realizar os procedimentos na clínica. Eles afirmam que tiveram problemas após os procedimentos.
A defesa de Karine e Paulo César afirmou que a prisão é "absolutamente ilegal" e que a acusação "utiliza da execração e condenação pública contra pessoas ainda em fase de investigação, em claro abuso de autoridade, sem ainda qualquer comprovação de culpa", citando o caso Escola Base de São Paulo. Foram mais de oito anos de atuação, com mais de 30 mil procedimentos realizados.
Composta pelos advogados Romero Ferraz Filho, Tito Souza do Amaral e Caio Victor Lopes Tito, a defesa também salientou que ambos são empresários e nunca tiveram a intenção de praticar qualquer crime. Também afirmaram que é necessário analisar cada caso individualmente, já que "há pessoas que não seguiram as recomendações pós-procedimento".
A Folha conversou com quatro pessoas que fizeram procedimentos estéticos na clínica com resultados diferentes do prometido.
A maioria afirma ter conhecido a clínica por meio das redes sociais. Conforme a Polícia Civil, famosos e influenciadores recebiam tratamentos gratuitos e pagamentos para promover os serviços da clínica de estética.
A psicóloga Vânia Maria da Silva Ribeiro, 45, fez procedimentos de aplicação de botox e um preenchimento labial nos quais gastou R$ 18,1 mil entre 2019 a 2021. Ela foi informada que o procedimento era feito com ácido hialurônico, mas depois descobriu que se tratava de óleo de silicone.
"Fui convencida a fazer procedimentos em locais que eu não procurava, como nas proximidades dos olhos. Depois de um ano, comecei a ter bolsas na pálpebra inferior, meu sorriso caiu", afirmou.
Vânia diz que pensou em fazer uma cirurgia plástica para retirada das bolsas abaixo dos olhos, mas houve contraindicação devido aos riscos: "Fiquei tão desesperada que furei minhas pálpebras dos dois lados e espremi até sair um pouco do produto."
O empresário Marcelo Campos de Oliveira e a advogada Wellika do Nascimento Silva realizaram procedimentos na região do nariz e também tiveram problemas, como feridas e uma deformação. Eles pagaram R$ 8 mil e R$ 5 mil, respectivamente.
"Carregamos um trauma. Senti, naquele momento, minha autoestima indo para o lixo. Hoje estou pior, pois, além de a aparência não estar legal, eu não tenho condições financeiras para arcar com essa cirurgia de correção", lamentou Wellika.
Marcelo afirma que chegou a se mutilar por não se sentir bem com o resultado do procedimento e cobra punição aos donos da clínica: "Eu realmente espero que eles sejam penalizados".
A agente de seguros Kenia Alves, 53, conheceu a clínica há seis anos. Ela procurou os serviços para fazer botox entre as sobrancelhas e foi convencida fazer um procedimento no ‘bigode chinês’, marca de expressão na face. Meses depois, começaram a aparecer caroços na região.
Além dos donos da clínica, também foram presos os seus responsáveis técnicos: o dentista Daniel Ferreira Lima e a biomédica Jessica Moreira dos Santos. Eles foram liberados, mas cumprem medidas cautelares com uso de tornozeleira eletrônica.
A defesa de Daniel disse que ele era um mero funcionário da clínica, que sempre priorizou a segurança dos pacientes e está colaborando com as autoridades. A reportagem não localizou os advogados de Jessica.
Em depoimento à polícia, o dentista relatou foi contratado após um teste proposto por Karine Gouveia e fez cirurgias em dois pacientes sem que eles soubessem que se tratava de um teste. Ele afirmou que não possuía a especialização e aprendeu a fazer os procedimentos observando outros profissionais.
A biomédica, também em depoimento, revelou que a política da empresa em casos de complicações era oferecer novas cirurgias aos pacientes e, apenas em último caso, devolver os valores pagos.
Na clínica, conforme a investigação, Karine Gouveia determinava a realização de procedimentos invasivos, inclusive cirurgias de atribuição exclusivas de médicos, como rinoplastia, otoplastias, lipoaspirações e liftings faciais. As intervenções aconteciam sem exames preliminares e sem estrutura adequada de centro cirúrgico, anestesista e instrumentadores.