"Bem, meninos, vamos trabalhar. Vou ser o que chamam de 'mestra', mas não sou nada disso. [...] Nunca fui professora de pintura, nem acredito que venha a ser algum dia, já que estou aprendendo todo o tempo."
Foi assim que a pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954) se apresentou, em 1943, àqueles que seriam seus primeiros alunos. A artista atravessava uma das melhores fases da carreira, mas não se sentia preparada para a tarefa.
"É verdade que a pintura é o que há de mais estupendo, mas é difícil executá-la bem. É preciso praticar e aprender a técnica a fundo, ter uma autodisciplina muito rígida e, sobretudo, sentir muito amor por ela."
"Vou pedir, de uma vez por todas, que me informem se a pouca experiência que tenho como pintora serve para vocês de alguma forma."
Frida Kahlo queria e precisava ensinar.
Sua aventura docente estava relacionada a outro projeto de grande envergadura: o Seminário de Cultura Mexicana, uma instituição pública que reuniu artistas e intelectuais, da qual ela era uma das fundadoras.
As aulas eram realizadas na Escola de Pintura e Escultura da Secretaria de Educação Pública, mais conhecida como a "Esmeralda". Diferentemente do círculo fechado da alta cultura, a Esmeralda não procurava as promessas da pintura, gravura ou escultura. A escola buscava atingir jovens de todas as classes sociais, particularmente das mais populares.
Kahlo tinha então 35 anos. Ela não demorou para superar suas inseguranças, passando a ser guia e amiga dos jovens estudantes. Ela os chamava carinhosamente de "meus filhos" - mas seus alunos mais adiantados ficaram conhecidos como "os Fridos".
"Frida foi muito autodidata", explica à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) a acadêmica Helena Chávez Mac Gregor, do Instituto de Pesquisas Estéticas da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).
"Ela fez o preparatório - o que, na época, era incomum entre as mulheres - mas não teve formação artística propriamente dita. Ela não frequentou a escola de arte."
Idioma próprio
A autora do livro "Frida: A Biografia" (Ed. Biblioteca Azul, 2011), Hayden Herrera, e os próprios alunos da Esmeralda contam que a escola era improvisada. Ela tinha uma única sala de aula e um pátio que ficava inundado quando chovia.
A precariedade da infraestrutura representava imenso contraste com o quadro de professores, que incluía artistas como o marido de Frida Kahlo, Diego Rivera (1886-1957), Jesús Guerrero Galván (1910-1973), Carlos Orozco Romero (1896-1984), Agustín Lazo (1896-1971), Manuel Rodríguez Lozano (1896-1971), Francisco Zúñiga (1912-1998) e María Izquierdo (1902-1955).
O curso durava cinco anos, e o artista Guillermo Monroy fez parte da primeira turma.
"No início, havia apenas cerca de dez alunos", conta Herrera na biografia da artista. Ela entrevistou diversos alunos da Esmeralda.
"Depois, chegou um grupo do meu bairro, com mais ou menos 22 rapazes. Quando entrei na escola, não sabia nada de arte porque era operário de uma família de carpinteiros", conta Monroy.
"Tive uma educação de apenas seis anos e nem sabia que existiam escolas de arte. Eu envernizava e estofava móveis. Depois, quis aprender a talhar madeira, pois trabalhava em uma loja de móveis coloniais. Por isso e por ser operário, fui para a Esmeralda."
Fanny Rabel (1922-2008) foi uma das poucas mulheres a estudar na Esmeralda, ao lado de Rina Lazo (1923-2019) e Lidia Huerta. Ela conta seu ceticismo ao ter uma mulher professora naquele país então dominado pelos homens em quase todos os aspectos.
Mas ela confessa que ficou "fascinada" quando Frida Kahlo se apresentou aos alunos. "Ela tinha o dom de cativar as pessoas", contou Rabel a Herrera. "Era única, com enormes reservas de alegria, humor e paixão pela vida."
"Ela havia inventado um idioma próprio, sua forma individual de falar espanhol, com muita vitalidade e acompanhado por gestos, mímica, risadas, piadas e um grande senso irônico."
"A primeira coisa que disse ao me conhecer foi: 'Oh, você é uma das menininhas daqui! Vai ser minha aluna! Escute, como se faz isso, de dar aulas? Eu não sei. Do que se trata? Não tenho a mínima ideia de como ensinar. Mas acho que tudo irá sair bem.' Isso me desarmou", relembra ela.
Chávez Mac Gregor acredita que a juventude de Kahlo foi fundamental para o desenvolvimento da sua pedagogia "muito livre, muito criativa".
"Era uma forma de praticar docência diferente da sua época e que permitiu que esses jovens se aproximassem da arte de forma muito diferente do que existia", explica a especialista.
O início da viagem
Os mexicanos, especialmente suas lutas populares, eram o principal ponto que Frida Kahlo, Diego Rivera e outros artistas da sua geração procuravam ressaltar nos seus trabalhos.
"Depois do final da Revolução Mexicana (1910-1920), foi preciso inventar uma nação que não existia como tal", explica Chávez Mac Gregor. "Era preciso reelaborá-la. E o muralismo foi uma solução."
"Pessoas como [o historiador de arte] Renato González Mello relatam como o muralismo inventou a ideia de um povo mexicano e criou esta ideologia da miscigenação, que é muito forte", prossegue ela. "Criou-se esta conexão com um glorioso passado pré-hispânico, ao lado do campesinato e dos operários que fizeram a revolução."
As aulas de Frida Kahlo enfatizavam esta ideia. Ela pedia aos alunos que prestassem atenção aos objetos da sua realidade próxima para pintá-los. Poderiam ser móveis, utensílios de cozinha, brinquedos... tudo o que tivesse alguma manifestação de arte popular.
Ela própria posou para os alunos com um elegante traje de tehuana, tradicional dos povos originários do sul do México.
De forma geral, mais do que dissertar, Kahlo incentivava seus alunos a praticar a autocrítica. Quando precisava fazer alguma observação, ela podia ser "incisiva", mas nunca severa. Talvez porque aquilo recriasse a mesma forma em que ela própria aprendeu a pintar.
"Quando estava no fim do preparatório, ela sofreu o acidente [de ônibus]... Seu pai era fotógrafo, principalmente de arquitetura. Sua sensibilidade artística era considerável e Frida, em recuperação dentro de casa, começa a ser autodidata com aquilo que sabe e com os materiais que possui", resume Chávez Mac Gregor.
Arturo García Bustos (1926-2017) foi outro dos seus alunos mais fiéis. Ele contava que ela não dizia "nem meia palavra sobre como devíamos pintar, nem falava do estilo".
"Ela costumava comentar: 'Como você pintou bem isso!' ou 'Esta parte saiu muito feia'", relembrou ele para Herrera, na biografia da artista. "Basicamente, o que ela nos ensinava era o amor pelo povo e o gosto pela arte popular."
"Ela exclamava, por exemplo, 'vejam este Judas! Que maravilha! Observem as proporções! Como Picasso gostaria de pintar algo com tanta expressividade, com tanta força!'"
Cada aluno demonstrava um estilo e interesse próprio, o que criava mais riqueza entre o grupo.
"Ela nos fazia sentir e compreender uma espécie de beleza que existe no México e que não havíamos percebido sozinhos", destacou Rabel.
"Ela não nos comunicou esta sensibilidade com palavras. Éramos jovens, simples e controláveis; um tinha apenas 14 anos, outro era camponês. Não tínhamos pretensões intelectuais. Ela não nos impunha nada. Costumava dizer: 'Pintem o que quiserem, o que observarem.'"
A casa azul
A escola com uma única sala de aula logo ficou pequena para aquele grupo de jovens entusiasmados e sua professora. Kahlo então os levou para pintar a vida nas ruas.
Eles visitavam bairros populares, mercados, edifícios coloniais e pequenas cidades vizinhas. E já não compartilhavam apenas o gosto pela pintura, mas também saíam para cantar e tomar pulque, uma bebida tradicional do México e da América Central. Mas, em 1944, Kahlo começou a sofrer mais intensamente as sequelas da poliomielite que havia contraído quando pequena e do forte acidente de trânsito, que reduziram sua mobilidade.
As lesões dificultaram suas idas à Esmeralda para dar aulas e seus passeios com os alunos. Por isso, ela decidiu abrir para eles a sua casa - a "Casa Azul", no bairro Coyoacán, na Cidade do México.
Herrera conta que, no princípio, foram muitos os alunos. Mas, depois, restaram menos. Quatro deles foram os mais fiéis: Arturo García Bustos, Guillermo Monroy, Arturo Estrada e Fanny Rabel.
"Nós nos acostumamos tanto com Frida e gostávamos tanto dela, que parecia que sempre havíamos estado ali...", contava Rabel.
"Todos gostavam dela de uma forma estranha. Parecia que sua vida estava sempre ligada com tanta força às pessoas que a rodeavam que não era possível viver sem ela."
Foi então que o grupo, que também incluía Mariana Morillo Safa e Roberto Behar, começou a ser conhecido como "os Fridos", da mesma forma que os discípulos de Diego Rivera foram chamados de "os Dieguitos". Os jovens continuavam pintando o que houvesse ao seu redor - e, na casa de Kahlo e Rivera, a variedade era imensa. Havia desde macacos, rãs, cães e gatos até belas obras de arte.
A professora revisava seus trabalhos, mas de forma mais irregular, devido à doença. Poderiam ser três vezes por semana ou uma vez a cada duas semanas.
Havia também espaço para leituras, além da arte - como as obras dos pensadores Walt Whitman (1819-1892) e Vladimir Maiakovski (1893-1930). Ela ensinava sobre os livros, biologia e até educação sexual.
'La Rosita'
"Os Fridos" fizeram sua primeira grande apresentação em 1944. Não foi em um museu ou galeria de arte, mas em uma cantina de Coyoacán - o bar La Rosita, perto da casa de Kahlo.
O grupo pintou murais nas paredes, mas as autoridades apagaram a pintura com cal, durante uma campanha contra o alcoolismo. Eles defendiam que o colorido "atraía os homens".
Kahlo e outros artistas ficaram irritados com isso. Eles arrumaram tudo para que as paredes de La Rosita voltassem a ser a tela dos alunos.
A apresentação das obras foi uma enorme festa. Foi promovida como uma ocasião solene, com a participação de personalidades do mundo artístico, mariachis, danças, churrasco e, é claro, pulque para brindar.
Foram até compostas canções especialmente para a ocasião:
"Dona Frida de Rivera,
nossa querida mestra,
nos disse: Venham, meninos,
mostrarei para vocês a vida.
Pintaremos bares
e a fachada das escolas;
a arte começa a morrer
quando fica na academia."
Criando asas próprias
Depois do evento, os "Fridos" foram chamados para novas obras. Uma delas foi o novo hotel Posada del Sol. O trabalho tinha como tema o romance, que os jovens interpretaram de forma bastante livre. Mas o dono do hotel não gostou da obra e mandou destruí-la.
Eles também pintaram uma lavanderia pública e fizeram uma exposição no Palácio de Belas Artes, no centro histórico da Cidade do México - um dos espaços artísticos mais importantes do país.
Com o passar dos anos, os alunos foram crescendo, artística e pessoalmente. E outros grandes artistas mexicanos da época se juntaram aos Fridos como ajudantes, como José Clemente Orozco (1883-1949) e David Alfaro Siqueiros (1896-1974).
Para Chávez Mac Gregor, Rabel foi a mais destacada dos "Fridos", na sua carreira posterior. "Porque seu trabalho continuou sendo uma luta política, principalmente no Ateliê de Arte Gráfica Popular [na Cidade do México]", explica ela.
"Frida e Fanny estavam muito adiante do seu tempo. É uma amostra antecipada, sobretudo com Frida, do que será importante para a arte contemporânea, pois ela é uma artista que pensa no pessoal, no íntimo, na sexualidade - não só em afirmar identidades, mas em contestá-las."
"Frida abre um caminho que, mais tarde, será importantíssimo para a arte contemporânea", conclui Chávez Mac Gregor.
"Comigo, pintarão tudo o que quiserem e sentirem. Tentarei compreendê-los da melhor forma possível."
"De vez em quando, eu me permitirei fazer alguns comentários sobre o trabalho de vocês. Mas peço, ao mesmo tempo, que façam o mesmo quando eu ensinar o meu, já que somos amigos."
"Nunca pegarei seu lápis para corrigir algo. Quero que saibam, queridos filhos, que não existe em todo o mundo um mestre capaz de ensinar a arte. Fazer isso, na verdade, é impossível."
"Certamente falaremos muito de uma ou outra questão teórica, das diferentes técnicas usadas nas artes plásticas, da forma e do conteúdo artístico e de todas as outras coisas intimamente relacionadas ao nosso trabalho."
"Espero não aborrecê-los. E, se o fizer, peço que não fiquem calados. Estamos de acordo?