Opinião - Vinicius Torres Freire: Trump fascista e um acordão das elites americanas

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Faz tempo que "fascista" se tornou um insulto corriqueiro, comum em discussões do bar do Twitter ou similares. Dizer que Donald Trump é fascista pode ser imprecisão analítica com consequências práticas, também por ser um anacronismo sociológico ou político, um empecilho ao pensamento da apavorante da nova degradação política mundial. No entanto, o tipo veste bem a metáfora.

Mais interessante, de imediato, é quando um general de quatro estrelas, fuzileiro naval, conservador e ex-conselheiro de grande empresa da finança americana diz que Trump é fascista. Como se sabe, foi o que fez em público o general aposentado John Kelly, que foi secretário (ministro) de Segurança Interna e chefe de gabinete de Trump.

E daí? Kelly pode ser apenas mais uma de tantas figuras públicas relevantes a dizer que Trump é uma ameaça real à democracia, à Constituição dos Estados Unidos. Mas pinga gotas grossas nesse copo cada vez mais cheio de aversão extrema de parte do establishment ao ex-ogro laranja (continua ogro, mas a cor e o penteado do cabelo mudaram). Ressalte-se: "parte do establishment". Outras partes do "sistema", a começar pelo óbvio Elon Musk, apoiam o plano de destruição daquilo que os incomoda no "sistema".

Por um lado, pode-se pensar que o tamanho dessa "polarização" torna mais provável a hipótese de conflito institucional. Por outro, indica que a resistência a Trump é tamanha que haveria frente ampla o bastante para evitar o pior, caso o Partido Republicano vença a eleição.

Essa reação antitrumpista pode ocorrer mais por precisão do que boniteza democrática. Além de causar danos gerais à economia americana, o que passa por programa trumpista pode causar danos imediatos grandes interesses específicos.

Decerto o risco de estrago amplo apequena as preocupações econômicas, ainda mais aquelas de que se ocupam os mercadores de dinheiro mais comuns. Na conversa mais banal se ouve que o plano de caçar imigrantes e elevar tarifas de importação tenderia a provocar inflação e, pois, juros mais altos. É ruim, mas parece ninharia até em termos de problemas econômicos possíveis.

Certas empresas perderiam muito. Relações comerciais no mundo inteiro seriam afetadas, com reflexos na finança. Convém lembrar também que parte importante de déficits e dívidas americanos são financiados pelo resto do mundo (a começar pela China). Acabar com a cooperação militar (bancada pelos EUA) com aliados na Europa e na Ásia provocaria outra cadeia de estragos político-econômicos. O céu é o limite para o novo Átila.

Essas ideias de risco, porém, ainda são abstratas. No limite, interesses reais muito específicos de grandes companhias poderiam ser afetados na hipótese de loucura total no poder. Muito difícil avaliar que atitude sobrevirá do medo de uma possível insatisfação política e social generalizada, quente e consequente —faz quase 60 anos que não se vê tal coisa nos Estados Unidos.

Isto posto, dado o risco, as partes mais poderosas pagarão para ver e vão para o conflito? Haverá tentativas de barrar o ainda pior do trumpismo por meio de contestação legal? Ou, antes disso, as partes do establishment chegarão a um acordo, todos cedendo alguns dedos para ficar com os anéis?

Esses dedos, porém, ainda custarão caro, para o mundo mais pobre e instável em particular. Brasil inclusive.

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