Está cada vez mais difícil para as autoridades norte-americanas tranquilizar os agricultores do país sobre os efeitos que a rodada crescente de tarifas impostas à China provocará nas exportações.
Base política do presidente Donald Trump, agricultores e pecuaristas pressionam deputados e senadores em suas regiões. Afinal, os efeitos das tarifas não são uma questão passageira, como afirma o governo americano, mas deixam um rastro de consequências que perduram.
No primeiro mandato de Trump, a guerra comercial, bem mais leve que a atual, fez o governo liberar um programa de auxílio aos produtores no valor de US$ 28 bilhões. Neste ano, o Usda (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) já sinaliza um novo programa, que, com certeza, deverá ser ainda maior do que o anterior.
O problema dos Estados Unidos é que medidas destemperadas como essas de Trump tornam o país cada vez menos confiável nos negócios. Foi o que ocorreu após o primeiro mandato do presidente. Nos primeiros seis meses do ano comercial de 2017, a China ficava com 71% da soja exportada pelos americanos. Após aquela primeira briga tarifária, os chineses perderam a confiança no parceiro e foram reduzindo as importações do país e se concentrando mais no Brasil.
No primeiro semestre da safra atual (setembro de 2024 a fevereiro de 2025), a China comprou 19,4 milhões de toneladas de soja, participando apenas com 54% das exportações dos Estados Unidos.
Essa redução pode não ser apenas devido às tarifas daquele período, mas, após aquele primeiro embate, os chineses passaram a comprar mais do Brasil, em detrimentos dos Estados Unidos. No ano passado, o Brasil exportou 99 milhões de toneladas de soja, e 73 milhões foram para a China.
Essa ruptura de pontes comerciais que Trump promove afeta também milho, carnes e algodão, produtos com os quais o Brasil vem ganhando espaço no mundo, principalmente no mercado chinês, o de maior demanda nos anos recentes.
Além de gerar a perda de confiança nos parceiros comerciais, os Estados Unidos poderão provocar uma crise ainda mais grave na agropecuária: a da produção e sanidade dos produtos. Gente completamente inexperiente e amadora no setor comanda a demissão em larga escala de trabalhadores essenciais aos controles agropecuários.
Foi o que ocorreu com os agentes que cuidavam da gripe aviária no país, uma doença que já provocou a morte de 168 milhões de aves e se espalha para o gado leiteiro. Os produtores temem também um avanço de pragas e doenças nas lavouras, reduzindo produtividade e elevando custos de produção.
As tarifas de Trump provocam incertezas em todo o sistema mundial de commodities. A China, devido à crise das tarifas e ao atraso da colheita de soja no Brasil, importou o menor volume nos meses de março desde 2008, segundo a Reuters. Isso vai levar o país a importar um recorde de 31 milhões de toneladas de abril a junho, afetando ainda mais a logística deficitária do Brasil.
As tarifas americanas ocorrem em um momento em que os Estados Unidos aumentavam as importações de produtos relacionados ao agronegócio da China, mas o país asiático, já prevendo problemas com o parceiro comercial, vinha diminuindo as compras americanas.
71%
era com quanto a China ficava do volume de soja exportado pelos EUA no início do primeiro mandato de Trump; agora são apenas 54%
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