Por dois anos e meio, a inflação americana foi o principal foco dos investidores. Entretanto, em menos de uma semana, o mercado de trabalho ocupou esse lugar.
Depois do mais recente dado de desemprego, o receio de uma recessão iminente cresceu, ao lado da expectativa de que os cortes de juros por parte do Fed (Federal Reserve) terão de ser mais agressivos. Um corte de meio ponto percentual em setembro, como o que ocorreu nas vésperas das recessões de 2001 e 2007, seria mais apropriado?
Toda essa preocupação deve ser entendida em um contexto no qual o mercado questiona a agilidade do Fed. Não à toa. O início do último ciclo de aperto monetário foi demasiadamente postergado, sustentado por uma visão de que a alta da inflação era temporária, quando esta já se apresentava elevada por bastante tempo. Bancos centrais importantes, como o europeu, o inglês e o canadense, já iniciaram o processo de afrouxamento, ainda que estivessem com juros reais menos restritivos do que nos EUA.
É fato que o relatório de emprego de julho foi fraco, com alta moderada na criação de novas vagas e nos rendimentos, além do aumento de 0,2 ponto percentual na taxa de desemprego —a qual passou para 4,3% em julho (no início do ano, estava em 3,7%). Ainda que o desemprego esteja historicamente baixo, a velocidade com que tem aumentado preocupa.
Uma regra desenvolvida pela economista Claudia Sahm, que já trabalhou no Fed, mostra que, historicamente, a recessão ocorre quando a média de três meses da taxa de desemprego sobe pelo menos meio ponto percentual em relação ao valor mínimo observado nos últimos 12 meses. A economia americana estaria agora no limiar da regra, ampliando a percepção de que o desemprego subirá de forma mais acelerada nos próximos meses. Seria essa uma visão correta?
Só os próximos dados de atividade poderão dizer. A própria Sahm tem enfatizado que sua regra não é uma lei da natureza e que a experiência atual poderia ser diferente. Fora isso, um número isolado não deveria mudar radicalmente a visão de desaceleração gradual da economia. Em julho, houve um aumento no número de pessoas que relataram não ter trabalhado devido ao mau tempo. Adicionalmente, mais de 70% do aumento do desemprego veio de demissões temporárias, que são voláteis. Cabe também notar que parte do aumento do desemprego ocorreu porque mais pessoas que antes não procuravam emprego o fizeram. A taxa de participação das pessoas entre 25 e 54 anos atingiu o maior nível desde 2001.
É claro que há sinais de enfraquecimento da atividade nos EUA, principalmente no mercado imobiliário e creditício. A recente temporada de resultados das empresas veio repleta de relatos de dificuldades em aumentar preços, ao lado de um sentimento mais pessimista em relação ao consumo no futuro.
No entanto, é difícil afirmar que a economia esteja à beira da recessão diante de um PIB que cresceu a um ritmo anualizado de 2,8% no segundo trimestre, impulsionado pelo consumo, com 2,3% de alta, e pelos investimentos, com 5,2%. O modelo do Fed de Atlanta prevê um crescimento do PIB no terceiro trimestre de 2,9% com dados até 6 de agosto.
O Fed gostaria que a inflação caísse sem causar fraqueza desnecessária, alcançando o chamado "pouso suave". Se vamos assistir a uma moderação ou forte desaceleração, dependerá de como o banco central americano reagirá aos dados futuros e, principalmente, de como o mercado interpretará sua atuação.
Em economia, temos sempre que considerar que profecias autorrealizáveis são possíveis. Corridas bancárias e alta da inflação são os exemplos mais comuns. Nessas situações, uma previsão ou expectativa pode direta ou indiretamente causar sua própria realização. Isso ocorre porque as pessoas agem de acordo com previsões e suas ações podem acabar criando as condições necessárias para que previsões se tornem realidade.
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Uma desaceleração sustentada do mercado de ações pode, por exemplo, ser muito perigosa. A expansão pós-pandemia foi alimentada em um grau incomum pelo forte crescimento da renda e dos preços dos ativos —como ações elevadas— em oposição a um boom mais tradicional no crescimento dos empréstimos e do crédito.
Até o momento, o risco de recessão parece ser limitado, não apenas porque os dados econômicos permanecem bons no geral mas principalmente por não estarmos diante de grandes desequilíbrios financeiros, com consumidores, empresas ou sistema financeiro pouco alavancados. Mas, acima de tudo, porque o Fed tem 5,25 pontos percentuais de espaço para cortar a taxa de juros e certamente seria rápido em apoiar a economia, se necessário.
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