Quer ver o mundo digital sem o filtro dos algoritmos? Então acesse o fascinante site Astronaut.io. Ele mostra vídeos aleatórios do Youtube. Um homem na Rússia filmando o rastro de um avião no céu. Ovelhas passando por uma porteira. Pessoas dançando em um aniversário na Indonésia. Uma jovem desmontando um celular.
A cada quatro segundos um vídeo novo. Se você perde, nunca mais vai ver aquelas imagens. Todos têm menos de cinco visualizações, zero comentário ou like.
Quando alguém pensa no Youtube o que vem à cabeça é diferente. Lembramos dos influenciadores, das celebridades como Mr. Beast, Felipe Neto ou Joe Rogan, com bilhões de visualizações. Só que eles são a minúscula exceção de uma realidade totalmente distinta.
Por isso a aleatoriedade é tão importante. Ela espelha a realidade digital, enquanto o algoritmo a domina e a condiciona. O algoritmo sempre quer alguma coisa (atenção, monetização, manipulação). A aleatoriedade não quer nada.
Para entender ainda mais o fenômeno é só olhar o estudo incrível que Ethan Zuckerman fez com seus colegas na Universidade de Massachusetts em Amherst. Eles criaram um programa capaz de gerar endereços aleatórios do Youtube. Igual a um adolescente que liga para números inventados na hora para passar um trote. Desse modo, em vez de acessar o site através de algoritmos ou recomendações, sua equipe compilou e categorizou vídeos aleatórios que são mais representativos da realidade do site.
Folha Mercado
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O resultado é impressionante. Apenas 0,21% dos vídeos encontrados tem alguma forma de monetização. A média de visualizações de um vídeo no Youtube é algo como 41 views. 74% dos vídeos não têm nenhum comentário e 89% não têm nenhum like. A duração média dos vídeos é de 64 segundos, sendo que um terço dos vídeos têm menos de 34 segundos. Em outras palavras, o Youtube é um oceano de vídeos nunca vistos.
O inglês é a língua de apenas 28% dos vídeos, seguido pelo hindu (11%), espanhol (8%), português (7%), russo (6,5%), árabe (6%) e assim por diante.
É curioso que todos esses dados só sejam acessíveis a partir de um projeto de pesquisa longo e complexo. O próprio Google, dono da plataforma, não revela estatísticas. Aliás, há sempre um desejo de manter a imagem do Youtube como algo pouco lembrado quando comparado a outras redes sociais. Outra distorção enorme.
O site é de longe a rede social mais popular nos EUA, sendo usado por 83% dos adultos e 93% dos adolescentes. É o segundo site mais visitado do planeta, perdendo só para o próprio Google. Há cerca de 15 bilhões de vídeos na plataforma. O Youtube é o gigante discreto. Lembra o provérbio chinês 深藏不露 (shēn cáng bù lù) que prescreve esconder e não revelar seu verdadeiro poder.
Outro modo de ver tudo isso é que o Youtube tornou-se parte da infraestrutura da internet. É o repositório preferido de qualquer pessoa que faz um vídeo. Acaba funcionando como um arquivo da humanidade. É uma pena que esse arquivo seja tão invisível. E que quem mais se interesse por ele sejam as inteligências artificiais, não pessoas.
Já era – achar que o Youtube é um site povoado por celebridades
Já é – perceber que o Youtube é um grande oceano (ou deserto) de vídeos pouco vistos
Já vem – inteligências artificiais sendo treinadas a partir desse vasto repositório humano