Opinião - Rodrigo Tavares: Por que 446 mil brasileiros querem ser políticos?

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Nenhum político tem a certeza de que ganhará uma eleição, mas todos sabem que, se eleitos, serão execrados socialmente, terão a sua vida privada profanada, desenvolverão distúrbios hormonais e poderão sofrer patologias associadas ao cansaço extremo e ao estresse.

Para muitos, o cargo implica também uma redução salarial e a renúncia a uma vida social e familiar plena. A estigmatização e códigos de conduta em algumas empresas também dificultarão o retorno à vida profissional para muitos ex-políticos.

Em rankings internacionais, o Brasil está geralmente colocado nas últimas posições quanto à confiança na classe política. As cadeiradas e os xingamentos de uns e o nepotismo e clientelismo de outros desperta menosprezo, ou pior, resignação, na maioria dos eleitores. Já não é a competência que se critica, mas o caráter.

Por que é que ainda temos candidatos a políticos? Por que 16 mil pessoas concorrem ao cargo de prefeito e 430 mil ao de vereador nas eleições municipais de outubro?

A maioria não hesitará em dizer, com ardor, que quer fazer a diferença ou que tem paixão por servir o público. Há os que herdam a profissão juntamente com os cromossomos do pai. Para quem não é ético, a luz fosca da democracia é uma oportunidade. Outros, com currículos de meia página em Times New Roman 30, precisam da política para evitar o desemprego.

Além disso, o poder também é viciante, principalmente nos homens: desencadeia um aumento de testosterona, o que conduz a uma sensação de bem-estar e autoconfiança (Ian Robertson, Trinity College). As variáveis economico-sociodemográficas que levam um indivíduo a enveredar por uma carreira política já foram estudadas sob todos os ângulos pela ciência política.

Mas será que é possível prever a ambição política de uma pessoa baseada na sua personalidade? Há determinados traços psicológicos que empurram uma pessoa para a política? Há acadêmicos que defendem que os valores pessoais, mais do que qualquer indicador externo ou ideológico, são um forte previsor da vontade de alguém se apresentar como candidato a um cargo parlamentar. Ou seja, a política é uma profissão que atrai uma minoria psicologicamente distinta da população. O que significa reduzir-se o universo de escolha dos eleitores e a qualidade da democracia representativa.

Estudos estatísticos afirmam que muitos políticos têm um perfil narcisista. A busca pelo poder reflete uma defesa contra sentimentos de inadequação, fraqueza, medo ou falta de confiança. Crianças dominadas na infância, frustradas por não conseguirem preencher as expectativas de pais perfeccionistas ou insuficientemente amadas, são mais afoitas ao controle (David McClelland, Universidade de Harvard; Julie Blais et al., Universidade Dalhousie). Em consonância com o cinismo popular, deputados são significativamente mais ambiciosos do que os seus governados e mais motivados por autoridade e domínio de recursos.

O narcisismo, a psicopatia e o neuroticismo estão estatisticamente correlacionados com ambição política e sucesso eleitoral (Hart et al., Universidade do Alabama).

Trump não é o único exemplo de presidente americano narcisista. Lyndon Johnson, Theodore Roosevelt e Richard Nixon também apresentaram características como baixa modéstia (elevada auto-importância), baixa franqueza (vontade de distorcer a verdade), baixa conformidade (socialmente agressivos e insultuosos em resposta a conflitos interpessoais), elevada procura por excitação (gosto por multidões e emoções) e elevada assertividade (preferência por assumir a liderança e agir primeiro). Estatisticamente, as guerras americanas tendem a durar mais tempo sob presidentes que têm uma pontuação elevada em termos de narcisismo.

O segundo traço de personalidade se refere a pessoas que são motivados por igualdade, justiça social e preocupação com os outros. Há políticos que parecem ter um desejo intenso de realizar um trabalho socialmente valioso em prol dos outros. São os que têm traços de honestidade, empatia e humildade. Existe nobreza na arte de conduzir (James Weinberg, Universidade de Sheffield; Scott Clifford, Universidade Texas A&M).

Se a psicologia é um fator determinístico da qualidade de um político, seria importante para o eleitor conhecer os seus traços de personalidade com mais detalhe. É o que começa a fazer a Finlândia, onde se tem discutido e até testado a utilização de testes de personalidade para candidatos políticos. Mas não há consenso ainda; se debate a eficácia e as implicações éticas destas avaliações. Quem estaria disposto a declarar a personalidade, além do patrimônio, à Justiça Eleitoral?

No Reino Unido, em 2016, foi apresentada uma petição ao parlamento com o título: "Require MPs to pass psychological tests before taking office" [Exigir que os deputados passem por testes psicológicos antes de assumirem funções]. Não foi aceito.

Se o ingresso em vários cargos da administração pública brasileira — na polícia, corpo de bombeiros e forças armadas — já exige uma avaliação psicológica, por que não aplicar os mesmos testes para despistar portadores de anomalias psíquicas para o exercício de funções políticas?

Entre os políticos, observamos, em linhas gerais, duas personalidades distintas. É um choque entre os mal-amados e os que amam. Curiosamente, também sabemos academicamente que os eleitores geralmente votam em pessoas em que se reconhecem e com quem se identificam.

Em quem é que o caro leitor vai votar a 6 de outubro?

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