Opinião - Reinaldo José Lopes: Como recuperar mais um dinossauro roubado

há 7 horas 3

Enquanto escrevo esta coluna, uma petição online para devolver um brasileiro ilustre ao seu solo natal, do qual foi arrancado ilegalmente há décadas, acaba de ultrapassar a marca das 17 mil assinaturas. E, espero, isso é só o começo.

OK, a situação não é tão trágica quanto a de alguém que caiu nas garras do tráfico internacional de pessoas, mas o caso de que estamos falando tem um peso simbólico e cultural que não pode ser negligenciado. Num país como o nosso, com fama de desmemoriado, o direito a compreender e celebrar o próprio passado profundo é essencial. E é por isso que o dinossauro Irritator challengeri precisa voltar para a chapada do Araripe, onde nasceu, morreu e se imortalizou na forma de fóssil.

Será que estou fazendo um escarcéu à toa ao colocar as coisas nesses termos? Não acho. Já faz vários anos que os paleontólogos brasileiros têm se organizado para combater o tráfico ilegal de fósseis e a ciência gringa feita de forma antiética por conta dele, no mais desavergonhado estilo "pagou, levou". Durante décadas, esse tipo de pesquisa aconteceu na maior cara de pau graças a uma clássica sinergia perversa entre pobreza, precariedade e falta de escrúpulos.

Para entender isso, comecemos lembrando que os fósseis encontrados em território brasileiro são bens da União, não podendo ser comercializados de forma nenhuma. Tampouco podem deixar o território nacional sem autorização explícita dos órgãos competentes. E isso, veja você, desde 1942, ainda durante a ditadura de Getúlio Vargas.

O problema é que lugares como a chapada do Araripe (talvez o maior tesouro do país no que diz respeito aos seres vivos da Era dos Dinossauros) contam com pouquíssima fiscalização in loco e têm uma população empobrecida. Os chamados peixeiros —assim chamados por causa da grande abundância de fósseis de peixes por lá— tentam levantar alguns trocados vendendo exemplares para atravessadores, os quais, por sua vez, podem faturar bem mais oferecendo o material para gente no exterior, muitas vezes por meio da internet.

Foi certamente por vias tortas desse tipo que o crânio do Irritator, um grande carnívoro semiaquático do grupo dos espinossaurídeos, foi parar no Museu Estadual de História Natural de Stuttgart, na Alemanha, onde está desde 1991. Foi lá que cientistas britânicos e alemães o descreveram. Ainda tiveram o desplante de ficarem nervosinhos com uma aparente adulteração do material por parte do tráfico, o que explica o nome científico com o significado de "irritador".

Colunas e Blogs

Receba no seu email uma seleção de colunas e blogs da Folha

Nos últimos anos, os paleontólogos brasileiros têm conseguido sensibilizar governos estrangeiros em busca da repatriação dessas riquezas. Foi o que aconteceu com outro dino, o Ubirajara jubatus. Desta vez, porém, as iniciativas diplomáticas travaram, o que explica a nova mobilização.

Repatriar o bicho permite que ele seja estudado aqui. E, mais importante, que brasileiros de todas as classes sociais possam conhecer e valorizar as riquezas que herdaram, estimulando ainda o turismo científico, sem ter de cruzar o oceano e pedir licença. Se os argumentos que apresentei aqui sensibilizaram você, procure a petição "Restituir o fóssil ‘Irritator’ ao Brasil!" na plataforma Change.org e faça a sua parte.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Leia o artigo completo