Opinião - Reinaldo José Lopes: A divulgação científica, enfim, contra-ataca

há 2 meses 6

Enfim uma boa notícia nestes meses irrespiráveis: uma das decisões mais estapafúrdias da Justiça brasileira (e olha que a concorrência é grande) foi suspensa pelo ministro Dias Toffoli, do STF. Conforme contou em reportagem o meu colega Phillippe Watanabe, a liminar do ministro evitou que a picaretagem fosse recompensada e a divulgação científica de qualidade fosse punida.

Falei do caso numa coluna anterior. O canal "Nunca Vi 1 Cientista", da bióloga Ana Bonassa e da farmacêutica Laura Marise, tinha sido processado e condenado a pagar indenização ao nutricionista André Luis Lanca porque desmentiu afirmações descabidas sobre a diabetes divulgadas por ele.

O nutricionista havia dado apoio à tese estapafúrdia de que o diabetes é causado por parasitas no pâncreas e defendia um tal "protocolo de desparasitação" como solução para o problema. As criadoras do "Nunca Vi 1 Cientista" alertaram o público sobre a completa falta de base científica da ideia, reproduzindo uma imagem do perfil do nutricionista em suas redes sociais –perfil que, vale destacar, era público.

A decisão judicial inicial, contrária às divulgadoras científicas, apegava-se à falta de permissão do dono do perfil para a reprodução dele como justificativa para a indenização (frise-se, mais uma vez, que era um perfil público e aberto). Dias Toffoli, em sua decisão, declarou que essa interpretação afetava o "direito à informação e à expressão científica".

Ufa –ao menos por enquanto. Aproveitando esse respiro, creio que convém considerarmos com calma o que essa situação toda ensina.

Primeiro, é ingenuidade achar (como eu mesmo já achei um dia) que criticar detalhadamente ideias absurdas sobre fatos científicos é "bater palma pra maluco dançar" e vai só espalhar ainda mais as picaretagens.

Infelizmente, esse barco já zarpou. Os doidos e/ou espertalhões já conquistaram uma legião de fãs e vítimas. Trata-se de um florescente modelo de negócios nas redes sociais. Ignorá-los, portanto, é o contrário do que se deve fazer.

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Na verdade, o modelo mais correto, pelo que indicam os estudos iniciais sobre a tema na área de comunicação científica, é exatamente o adotado pela dupla do "Nunca Vi 1 Cientista": dar nome aos bois. Deixar claro quem está falando bobagem e explicar tim-tim por tim-tim por que é bobagem, em vez de adotar formulações genéricas do tipo "tem gente falando a bobagem X por aí".

Além disso, no mesmo vídeo que deu origem ao processo, elas adotam outra estratégia fundamental: a de evitar o engajamento direto.

A questão é que não existe engajamento ruim na internet. Atacar uma postagem ou um vídeo diretamente no perfil do autor, ou compartilhar algo absurdo fazendo comentários indignados, só tende a aumentar o alcance –no sentido de número de perfis online alcançados mesmo– dos picaretas.

O certo, portanto, é usar reproduções, e não links diretos para os perfis que vivem de desinformação, e aconselhar as pessoas a bloquearem e, se possível, denunciarem as redes sociais pseudocientíficas às plataformas, caso haja essa opção. (A não ser que o dono da rede social em questão seja o Elon Musk. Aí a gente entrega pra Deus mesmo.)

O cenário é de guerra. E a única chance de enfrentar a desinformação é usar todas as armas legítimas à nossa disposição.

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