É uma tarefa desagradável: o gelo sua, você vai lá e enxuga, mas logo depois ele está úmido de novo. Similarmente, o pobre do Sísifo empurra a pedra sempre, até que ela despenca e ele precisa repetir a operação. Que cansaço! Por fim, não esqueçamos do nosso Banco Central, tentando trazer a inflação para a meta de 3% (é o seu mandato!), sempre suando frio na ladeira do juro mais alto sem muito sucesso.
O juro real da economia já está ali na casa dos 8% ao ano, mas a inflação segue elevada, e as expectativas de inflação futura não descem das nuvens. O próprio Banco Central projeta uma inflação de 4% para 2026 já com base num cenário de juros mais elevados.
Onde o juro vai parar antes de começar a cair e quando vai começar a cair em 2025? É difícil dizer, talvez em 14%, ou 15%, começando então a cair no fim do ano que se aproxima? A pergunta relevante, entretanto, é outra: por que a economia segue aquecida com um juro tão alto assim? Sim, aquecida é o adjetivo correto, pois a inflação não sobe por mágica ou maldade dos empresários ou da Faria Lima.
Folha Mercado
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Às vezes, ela estilinga quando os preços das commodities internacionais —como o petróleo— sobem. Mas o preço do petróleo WTI caiu bastante nos últimos 12 meses, de cerca de 90 dólares o barril para um pouco abaixo de 70 dólares agora. Essa é uma força que deveria ajudar no controle inflacionário. E mesmo assim...
Olhando pelo lado da atividade, o PIB de 2024 vai se expandir bem mais do que todos projetavam, 3% vis-à-vis uma expectativa de 1% no comecinho do ano. A taxa de desemprego, em meros dois anos, caiu de cerca de 9% para um pouco acima de 6% (na última medida). Isso com a China desacelerando e muita incerteza no cenário internacional.
Crescer é bom, claro, surpreender positivamente, desmascarar os pessimistas! Mas quando esse crescimento é sustentável, melhor ainda. E não parece ser. Como sabemos? Ora, porque a inflação está em alta num mundo de inflação internacional bem mais fraca do que dois anos atrás. Todos reclamam do Banco Central por fazer subirem os juros, mas esse é o instrumento que ele tem para impedir que a dita cuja se desgarre da meta.
O que vem empurrando a inflação para cima no Brasil? Em duas palavras: a política fiscal. A expansão fiscal engendrada pelo governo Lula superou as previsões até dos pessimistas, e isso adiciona muita lenha na fogueira.
Mas e a taxa de câmbio? Também, mas ela está ligada umbilicalmente à política fiscal. Quando o mercado vê uma dívida crescente, ele precifica maior risco, e maior risco significa menos dólares entrando e mais dólares saindo: nossa moeda perde valor.
O mercado exagera? Às vezes sim, mas o caso parece mesmo grave. Os déficits fiscais estão rodando na casa dos 7% e a dívida pública nos próximos anos não se estabiliza nem com um milagre.
Com a política fiscal em modo expansionista, o Banco Central vai seguir enxugando gelo. E pior: levando a culpa!