Opinião - Michael França: Síndrome do impostor paralisa minoria vencedora

há 2 dias 3

Ascender em um país com alta estratificação social não é fácil, nem mesmo um destino comum a todos. Exige uma rara combinação de disciplina, persistência e saber aproveitar as poucas oportunidades que surgem. E, em teoria, aqueles que vêm de baixo e conseguem progredir em uma sociedade orquestrada para excluí-los deveriam ter a mais contundente das confirmações da força da própria caminhada. Mas isso nem sempre ocorre.

Para os que conseguem alcançar patamares nos quais poucos têm lugar ou, ao menos, uma condição mais digna, o sentimento inicial até pode ser de euforia. Mas ele é, quase sempre, passageiro. Logo abre caminho para o vento contrário da dúvida. Surge a sensação de estar invadindo um território alheio, de ter entrado em um lugar no qual a força da gravidade empurrando para baixo parece ser ainda mais forte e onde qualquer deslize pode ser interpretado como prova de que nunca se deveria ter atrevido a ocupar uma posição mais elevada.

Na geografia da dúvida, em que várias demarcações costumam ser feitas pelas brechas da linguagem não dita, as minorias acabam sendo assoladas com especial crueldade. Não basta chegar. É preciso justificar a presença. Repetidamente. Cotidianamente. Sem falhar.

Esse é o terreno fértil da chamada síndrome do impostor, que não é uma fragilidade individual, mas, corriqueiramente, reflexo de um sintoma de não se sentir pertencente a um cerco elegante que sabe manter os seus. Um sentimento crônico de inadequação que se manifesta mesmo diante de diversas conquistas. Um incômodo que nasce da dissonância entre o que se vive e o que se esperava viver.

Talvez ainda mais grave seja o impacto que a dúvida pode gerar no desenvolvimento. Quando se internaliza a crença, mesmo inconscientemente, de que não se é digno do lugar que ocupa, o corpo e a mente reagem. O medo paralisa. A ansiedade se infiltra. A voz treme. O sono falha. E, de forma a princípio imperceptível, instala-se o ciclo de autossabotagem.

Essa armadilha emocional parte de uma insegurança que vai, aos poucos, travando as pessoas, levando-as a minar suas possibilidades de avanço e favorecendo a procrastinação. E os gatilhos para isso são diversos. Pode ser um comentário atravessado em uma reunião. Um olhar constante de desconfiança. A solidão de ser um dos poucos sobreviventes de um apartheid velado em uma sala cheia de pessoas lapidadas no privilégio. Tudo isso alimenta a crença de que o pertencimento é provisório.

Além disso, costumamos exaltar os poucos que "venceram na vida", mas ignoramos o quanto essa vitória frequentemente cobra o preço da autocobrança excessiva. Esquecemo-nos de contabilizar o custo psíquico de ser exceção em um sistema que opera sob uma silenciosa divisão de castas.

E, no final, temos o curioso fato de que aqueles que correram as maiores distâncias, aqueles que superaram os maiores desafios, aqueles que menos deveriam duvidar de si mesmos são, na maior parte do tempo, os mais afetados quando expostos aos ambientes nos quais a normatividade se define pelo privilégio.

Este texto é uma continuação da coluna anterior, chamada "Você não é um dos nossos", e uma homenagem à música "O Vencedor", interpretada por Los Hermanos.

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