Aos 58 anos, sem lutar profissionalmente desde 2005 e recém-recuperado de uma crise de úlcera no meio de uma viagem de avião, durante a qual cuspiu sangue, Mike Tyson sobe ao ringue nesta sexta-feira, às 22h, para enfrentar o youtuber Jake Paul, de 27 anos. Embora considerada como uma luta oficial, há vários sinais de que se trata de um evento mais próximo do entretenimento do que do esporte.
Tyson e Paul usarão luvas de 14 onças em vez das luvas de dez onças, o padrão na categoria deles. Luvas mais pesadas, usadas em treinamentos, são mais acolchoadas e reduzem o impacto dos golpes. Os rounds serão de dois minutos em vez de três minutos; e a luta será disputada em oito rounds em vez de dez ou 12.
Muito da expectativa em torno da luta deve-se ao fato de que será exibida ao vivo pela Netflix. Desde que apresentou um especial de Chris Rock, em março de 2023, a plataforma de streaming tem feito experiências de transmissões ao vivo. É uma estratégia que indica um passo atrás, uma reprodução do modelo da velha televisão, com horário certo para exibição de programas, mas com um ganho importante atualmente, a inserção de publicidade.
O evento ao vivo permite à Netflix inserir publicidade durante a transmissão, mesmo que o assinante tenha planos sem anúncios. É bem provável que, com a luta de Tyson, a plataforma alcance um novo recorde de audiência em transmissões ao vivo.
Mais estranha do que essa luta de boxe, foi o acordo bilionário que a Netflix fez com a World Wrestling Entertainment (WWE) para a exibição semanal, ao vivo, às segundas-feiras, a partir de janeiro de 2025, de um programa de luta livre esportiva. Chamada nos Estados Unidos de "wrestling profissional", a modalidade foi conhecida no Brasil como telecatch. É um tipo de disputa em ringue na qual os lutadores encarnam personagens, vilões e mocinhos, exibicionistas e fanfarrões, e simulam combates, com resultados previstos no roteiro.
Uma característica fundamental deste tipo de luta é que em momento algum os participantes admitem que é uma simulação. O público sabe que assiste a uma encenação de pancadaria, mas não reclama. Nas artes, esse acordo é chamado de suspensão da descrença; na luta livre esportiva usa-se o termo "kayfabe". O negócio com o grupo TKO, empresa proprietária da WWE, vai custar à Netflix mais de US$ 5 bilhões (cerca de R$ 28 bilhões) e durará dez anos, com opção de extensão por mais dez anos ou rescisão após cinco anos.
Para entender melhor a importância e o impacto do "wrestling profissional" nos Estados Unidos, a própria Netflix oferece desde o final de setembro a minissérie "Mr. McMahon". Ela conta a história de Vince McMahon, um empresário ambicioso, visionário e hoje acusado de vários crimes, que em algumas décadas transformou uma pequena empresa de promoção de luta livre esportiva na gigante WWE.
Dirigido por Chris Smith, um documentarista experiente —dirigiu o ótimo "Jim & Andy" e foi produtor executivo da popular "A Máfia dos Tigres"—, "Mr. McMahon" conta em seis episódios uma história assustadora, que envolve abuso de anabolizantes, acusações de assédio sexual, mortes de lutadores e, especialmente, de paixão alucinada dos fãs pela modalidade.
A minissérie não esquece de mostrar a proximidade de McMahon com Trump. A mulher do empresário, Linda, trabalhou no governo entre 2017 e 2019 e é uma das chefes da equipe de transição do futuro governo. Assim como Dana White, o chefão do UFC, vários lutadores do "wrestling profissional", como Hulk Hogan, se engajaram nesta campanha do republicano.