As consequências sempre vêm depois, dizia o Conselheiro Acácio, criação do escritor Eça de Queiroz, que o fez autor de pomposas platitudes. O dito se aplica ao governador Tarcísio de Freitas: ele contratou o desastre quando, por indicação de Jair Bolsonaro, nomeou para a chefia da Segurança Pública em São Paulo um ex-PM matador confesso e deputado da bancada da bala chamado Guilherme Derrite. Tarcísio deu firme apoio às medidas tomadas pelo apadrinhado do ex-presidente que provocaram importante retrocesso nas políticas públicas para o setor e produziram a atual situação de descontrole da ação policial.
Primeiro, o programa de câmeras corporais foi desativado e mais adiante retomado de forma frouxa; o secretário interferiu na Polícia Militar; centralizou a gestão das tropas; promoveu a transferência de coronéis de perfil mais legalista e tentou aposentá-los compulsoriamente; criou regras para amenizar a punição de policiais envolvidos em operações que resultassem em mortes de civis. Deram-se todos os sinais de que a força bruta tinha carta branca no combate ao crime. Mais do que isso, apostou-se que a violência desabrida era a melhor política para enfrentar a bandidagem.
As consequências irromperam —pouquíssimo depois. A letalidade por ações policiais disparou. De julho de 2023 a abril deste ano, as operações Escudo e Verão, na Baixada Santista, mataram 84 civis (e quatro policiais). Desde novembro último, o acúmulo de episódios de truculência —uma criança baleada enquanto brincava na rua; um estudante de medicina morto; um ladrão de supermercado fuzilado pelas costas; uma idosa espancada em sua casa; um homem atirado do alto de uma ponte— revelaram a enormidade do descontrole da tropa.
Ainda assim, São Paulo está longe de ser o estado com maior taxa relativa de mortos por ação das PMs. A Bahia lidera o lúgubre ranking, seguida pelo Rio de Janeiro —onde as rotineiras operações nas favelas cariocas mostram a inocuidade das políticas que apostam na ação policial sem freios.
Em estudo primoroso, com base em dados que cobrem toda a região fluminense, Joana Monteiro, Eduardo Fagundes e Julia Guerra, pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas e do Ministério Público Federal, deixaram claro como o sol que não há correlação entre letalidade policial e redução de crimes violentos. Operações que redundam em morte são uma custosa política de enxugar gelo: conseguem apenas apreender mais drogas e armas —além de mergulhar o país ainda mais fundo na barbárie.
A reação da opinião pública informada e das instituições de Justiça à desenfreada violência policial tem despertado consciências e provocado mudanças. Na Bahia, rompendo sua passividade anterior, o governo petista trata de buscar respostas à já longa crise da segurança pública. Em São Paulo, o governador bolsonarista deu marcha-a-ré no apoio irrestrito aos desmandos de seu secretário. Pouco importa se o fizeram por convicção ou cálculo político. Os meios de comunicação, a sociedade civil organizada e as instituições de controle —como ouvidorias de polícia, Ministério Público, STF— impuseram limites ao que se pode dizer e fazer.
É a democracia peitando a barbárie.
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