Opinião - Marcus Melo: O foro privilegiado muda mais uma vez: por que as regras do jogo mudam?

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As mudanças nas regras do foro privilegiado, ao longo do tempo, refletem um jogo cujo equilíbrio se altera devido a choques produzidos por eventos como escândalos e/ou alterações radicais no ambiente institucional. O conflito gira em termos de quem tem foro; quem detém poder de iniciativa e veto; e, quem se beneficia com a restrição/ampliação do foro ao mandato e à função, tornando-o temporário ou perpétuo (perdeu o cargo, o foro permanece).

Embora entre 1964 e 1999, o foro tenha passado a ser perpétuo, aumentando o poder do STF, só em 1969 foi estendido a parlamentares (e não só titulares de alguns cargos executivos e magistrados). Entretanto, o impacto foi muito limitado porque a abertura de processo exigia licença prévia da casa legislativa de origem —que nunca a concedia. O Legislativo detinha poderes de gatekeeper —o poder de vetar a iniciativa—, o que só veio a mudar com a EC 35/2001, que dispensou a licença. O STF passou a ter controle pleno sobre sua jurisdição criminal. A mudança deveu-se ao caso Hildebrando Paschoal e, na sequência, Mensalão e Lava Jato. No Mensalão, ficou claro que o foro privilegiado no Supremo não era garantia de impunidade.

Como no caso de Hildebrando, evidências de manipulação do foro por parlamentares, tal qual o do ex-governador da Paraíba Ronaldo Cunha Lima, tiveram forte impacto. Cunha Lima tentou assassinar seu antecessor, mas não pôde ser processado devido à necessidade de licença prévia da Assembleia Legislativa. Eleito senador em 1994, seu caso foi enviado ao STF, onde permaneceu parado até 2001. Com a EC 35, a autorização do Senado deixou de ser necessária, mas Cunha Lima elegeu-se deputado federal. Na véspera de seu julgamento, em novembro de 2007, renunciou ao mandato, deslocando o processo para a primeira instância, onde prescreveu.

"O gesto dele mostra como é perverso o foro privilegiado" afirmou Joaquim Barbosa, o relator, irritado porque ele esperou o Supremo incluir a ação na pauta de julgamento de segunda-feira, 14 anos após a tentativa de assassinato e 5 depois de começar o processo, para renunciar. "O que tem de fazer é acabar com o foro. Só isso".

A incapacidade do STF de cumprir sua competência penal —realizar oitivas etc— ficou evidente. O ônus político do elevadíssimo estoque de processos —que em 2018 chegou a mais de 500 ações— passou a ser suportado não mais pelo Legislativo mas pelo STF. O custo do hiperprotagonismo da corte aumentou significativamente. Daí a reconfirmação em 2018 do foro, mas agora com restrições ao mandato e à função.

A reinstituição do foro perpétuo, na atual conjuntura, restaura o status quo anterior. Esta mudança, também endógena, se deve, mais uma vez, a choques no ambiente institucional mais amplo. O choque agora é o julgamento de Bolsonaro e envolvidos em um golpe. Enquanto em 1999 o STF era árbitro de processos criminais, agora é parte do processo. Ambos —a Corte e seus ministros— são vítimas. Seus objetivos agora são mais amplos, em certo sentido existenciais: resistir a ameaças institucionais inéditas e de larga envergadura. Estrategicamente o foro perpétuo alarga o controle do Supremo sobre suas ações, pois estende o marco intertemporal de sua jurisdição.

Brasília Hoje

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