Opinião - Marcos Augusto Gonçalves: 'Emilia Pérez' é ruim, mas é bom ou é bom, mas é ruim?

há 2 meses 6

É um caso em que o controverso uso da expressão controverso se aplica: "Emilia Pérez" desperta opiniões muitas vezes inconciliáveis. É diferente de "Ainda Estou Aqui". Embora possa não entusiasmar um ou outro, como se viu em críticas de jornais franceses, a produção brasileira não gera maiores divergências e tem um saldo favorável de avaliações.

É fato que o longa dirigido pelo francês Jacques Audiard passou o rodo em Cannes, tendo recebido o prêmio de melhor filme e de melhores interpretações femininas. Foi também coroado pelo Goya como melhor europeu, ganhou quatro Globos de Ouro e mereceu, entre outras, nada menos do que 13 indicações ao Oscar.

Recentemente, a desastrada Karla Sofía Gasgón, que compete com Fernanda Torres na festa de Hollywood, acabou comprando briga errada e viu seu histórico de declarações horríveis agitar as redes sociais e criar confusão. Audiard ficou furioso e já não fala mais com ela. O filme também teve repercussões negativas no México, onde se passa a história, que foi filmada na França.

Seja como for, sentei na sala de cinema sem nenhuma predisposição. Fui bem treinado para isso. Sem trair minhas inclinações subjetivas, mas também sem temê-las, sou do tempo em que uma obra deveria ser julgada pelas suas qualidades e defeitos intrínsecos, não por fatores externos como esses em baila.

"Emilia Pérez" não é uma produção comum. É um misto de musical, comédia e drama, com mensagens politicamente corretas e enredo improvável. Um chefão do tráfico quer fazer transição de gênero, simula sua morte, despacha mulher e filhos para a Suíça, passa por intervenções numa clínica em Tel Aviv e volta anos depois como uma tia que teria sido incumbida da missão de levar novamente a família para o México, o que consegue fazer.

Diálogos cantados de musicais me incomodam, mas admiro os grandes filmes da categoria, como o maravilhoso "A Roda da Fortuna" e o inexcedível "Cantando na Chuva". Com Fred Astaire, tudo é mais elegante.

De um modo geral, a música me soou bem e pareceu interessante o modo como o diretor faz a transição entre o gênero (desculpe, não resisti) dramático e o musical. Alguns números são muito bons. Além daquele da visita à clínica, com engraçada canção e boa coreografia em torno das opções oferecidas aos clientes —do nariz à vagina, passando pelo pomo de Adão— há outros que vão bem, como a performance da personagem Rita (Zoe Saldaña) no baile de gala da ONG de Emilia.

furos de roteiro, situações rocambolescas e inverossímeis, além de encenação irregular, embora se possa alegar humor e paródia para explicar algumas opções.

As avaliações do público se exacerbam com o clima de arquibancadas digitais em busca do Oscar, mas competição e torcida por troféus culturais são coisas antigas, basta lembrar dos históricos festivais de música dos tempos da Record, para ficar num exemplo caseiro. Sobre as atrizes do filme, elegeria Zoe Saldaña, que merece o prêmio de melhor coadjuvante —embora seja até mais do que isso.

No fim das contas, "Emilia Pérez" poderá se acomodar mais para frente no catálogo do Telecine Cult. É bom, mas é ruim ou é ruim, mas é bom. Dá para aguardar o streaming, mas não para quem já comprou camiseta e só pensa na final.

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