Opinião - Marcos Augusto Gonçalves: Com ou sem tarifaço penal, anistia a 8/1 é descalabro

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Há um esforço de setores da ultradireita para fazer a sociedade brasileira engolir um projeto de lei que promova a anistia de envolvidos no ataque à democracia de 8 de janeiro e, por extensão, arrume um jeito —o verdadeiro objetivo— de permitir que Jair Bolsonaro concorra à eleição de 2026.

Entre cenas explícitas de desfaçatez e banditismo parlamentar, o PL, sigla do capitão, arregimenta apoios para abrir a porteira e deixar a boiada passar.

Toda a mistificação em torno da cabeleireira Débora Rodrigues, acusada de cinco crimes, presa preventivamente e ora em julgamento pelo STF, tem servido para maquiar a agressão golpista do 8/1. Teria sido um convescote de idosos desocupados e moças a fazer inocentes pichações em estátuas, usando um batom.

A direita tem dado demonstrações de notável capacidade de criar factoides e embalar mentiras em celofane de bombons para amplo consumo em redes digitais. A esquerda ainda parece estar distribuindo panfletos, como nos tempos do "agitprop" do século passado.

Entre as movimentações dos dois lados do espectro, os brasileiros, de acordo com a mais recente pesquisa Datafolha, não veem na anistia a meliantes antidemocráticos e no perdão a Bolsonaro uma pauta prioritária. São 56% os que se declaram contrários. Há, no entanto, hesitações quanto às penas determinadas pelo STF.

Esse é um aspecto relevante da discussão. As divergências jurídicas sobre a cumulação dos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado foram objeto de discussão no próprio tribunal. Terminou por vencer a índole justiceira do superministro Alexandre de Moraes. A favor do Supremo, foi oferecida e concedida medida alternativa a centenas de indiciados.

Entretanto, ficou no ar uma sensação de sentenças exageradas que, embora não endossada na pesquisa pela maioria, dá margem a proselitismo e toca parte influente da opinião pública. Não vou me furtar a opinar, sem reivindicar razão ou sapiência jurídica: compartilho dessa impressão, as penas desde o início me pareceram fora da curva.

O fato é que este suposto e controverso tarifaço penal virou possível moeda de troca, como aventou a ministra Gleisi Hoffmann, que, diga-se, deixou claro, tratar-se de tema passível de discussão, mas da alçada do STF.

Que o Judiciário faça política é um segredo de polichinelo: não é que dá a impressão aqui e ali ou pareça que faz. Faz. Em muitos casos de forma oportuna, ainda que em outros oportunista.

O quadro de pressões congressuais da direita reacionária vai se tornando difícil para o governo Lula administrar, em seu déficit de popularidade e de hegemonia parlamentar.

Não é, em nenhum aspecto, aceitável que a proposta prospere e esse monstrengo da anistia venha a ser aprovado. Seria um retrocesso em tudo nocivo à democracia e uma desmoralização nacional.

O Congresso empoderado dos últimos tempos está se transformando ou já se transformou numa disfunção política que atinge o gangsterismo deslavado.

O novo presidente da Câmara, Hugo Motta, está sendo chantageado à luz do dia. para pautar um salvo-contudo para golpistas. É preciso que as forças democráticas demonstrem inteligência, articulação e resiliência para barrar esse descalabro.

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