Opinião - Marcelo Viana: Platão e as sombras

há 23 horas 1

O livro 7 da obra "A República", escrita por Platão (428–348 a.C.) por volta de 380 a.C., abre com a célebre alegoria da caverna, que está na origem do sentido que damos hoje à palavra "platônico".

Sócrates propõe a seu interlocutor, Glauco, que imagine uma caverna onde pessoas estão acorrentadas desde a infância, suas pernas e pescoços fixados de tal modo que só podem ver a parede à sua frente. Atrás deles há uma fogueira, e entre a fogueira e os prisioneiros há uma passarela elevada com um muro baixo. Pessoas ocultas atrás do muro erguem objetos "assim como os apresentadores de fantoches têm telas à sua frente acima das quais movimentam os seus fantoches".

Sócrates sugere que as sombras desses objetos na parede, à luz da fogueira, constituem a realidade para os prisioneiros, pois eles nunca viram outra coisa e não percebem que se trata de meras projeções de objetos reais que eles não veem. De igual forma, afirma, nós tomamos como realidade as percepções dos nossos sentidos que, na verdade, não passam de sombras de uma realidade superior a que não temos acesso.

É uma metáfora poderosa, talvez a mais influente de toda a história do pensamento. Mas, questiona o filósofo italiano Roberto Casati (n. 1961), ela é justa com as sombras? E especula o que a sombra do próprio Platão teria a dizer sobre isso:

Platão para numa curva do caminho que desce da Acrópole ao Pireu, o porto de Atenas. Com o sol nas costas, a sua sombra se desenha perfeitamente a seus pés. O vento agita a folhagem das oliveiras.

Sombra – Fechada numa caverna. Dada como exemplo de conhecimento inferior. Apontada a dedo por séculos como espantalho da filosofia. Eu te acompanho a cada dia, do nascer ao por do sol, e tu não fazes senão me espezinhar. Tu me deves desculpas.

Platão – Que impertinência! Sabes bem que, além de seres efêmera e obscura, encerras contradições, suscitas confusão e receio, deixas perplexos crianças e adultos.

Sombra – Mas esse é o ponto! Quero mostrar que, mesmo sendo assustadora, e apesar de as pessoas não saberem o que pensar de mim, eu posso ser útil a todos, inclusive aos homens de ciência e aos filósofos como tu.

Platão – Que absurdo! Eu não vejo para que possas servir!

Sombra – Para começar, sem mim não haveria alternância do dia e da noite, tu não verias a forma das coisas, tudo te pareceria plano e sem substância.

Platão (irritado) – Tudo bem. Mas tu não passas de uma coadjuvante, todo o trabalho quem faz é a luz.

Sombra – Protesto! A luz só sabe seguir em frente em linha reta. A desmiolada passeia sem pensar, e quando encontra um corpo ela apenas quica e segue em outra direção. Sou eu quem conserva a memória desse encontro. A sombra é a memória da luz. Ainda não estás convencido? Eu tenho muitos exemplos. Lê e verás.

O astrônomo Aristarco de Samos (310 a.C. – 230 a.C.) comparou a distância da Terra à Lua com a distância da Terra ao Sol usando… sombras. A sua estimativa era imperfeita, mas tardou mais de dois milênios para que fosse melhorada. Mas isso é para semana que vem.

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