Esta é contada pelo meu colega Alaor Chaves, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais, o mais mineiro dos físicos brasileiros.
"Era uma mata na enorme várzea do rio Preto, perto de onde ele paga seus tributos de água e lama ao Paracatu, que mais abaixo verte no São Francisco. As árvores expunham-se colunares à cobiça de um madeireiro que operava, não sem alguma solenidade, uma trena, medindo o comprimento e o diâmetro dos troncos.
Mostrava todos os sinais de ser um capiau que pouco havia saído da solidão da mata. Mas no bolso da camisa trazia uma caderneta onde registrava os dados de cada árvore, após puxar uma calculadora eletrônica e dedilhar umas contas. Calculava o volume de cada tronco e me surpreendeu sua capacidade para fazer o cálculo.
Aproximei-me e declarei minha admiração pela sua competência. ‘Cubar madeira? Olha, moço, num é tão custoso assim’, respondeu. Pedi que explicasse, esmiuçando tudo. ‘É uma satisfação, moço. No primeiro pau eu lhe mostro. Lá na escola não ensinam isso, me contaram.’
O próximo foi um ipê-amarelo, o apreciado pau-d’arco-amarelo. Altura, seis metros e meio; diâmetro, setenta centímetros. Achei interessante a forma como o diâmetro era medido. Um dispositivo de madeira na forma de H, em que uma das pernas podia correr ao longo de uma haste que era o travessão da letra. Fechava-se apertando o tronco e o rapaz media a separação entre as pernas do H.
‘Espia aqui, moço. O diâmetro deu setenta. Deve ter dado ao menos setenta e cinco, mas tem que dar desconto, ninguém tá aqui pra comprar casca.’ E me mostrou a calculadora onde digitara 0,70. ‘Agora eu multiplico esse número é por ele mesmo. Entendeu? Multiplico o diâmetro de novo pelo diâmetro.’ E mostrou: 0,49. ‘Mas tenho que dividir esse quarenta e nove por quatro. Pra mor de quê esse quatro, eu acho que num sei não.’
‘Agora tenho de multiplicar pela altura, que é seis e meio.’ Resultado: 0,79625. ‘Bem, a ciença vem é agora. Eu tenho de multiplicar por um número estrangero, que descobriro ser quem toma conta do roliço do pau e que chamaram de pi. Invenção meio nova, é por isso que ainda num tá nos livro de escola.’ Olhei a calculadora e vi escrito: 3,14.
‘Esse número pi, treis vírgula catorze, é matemática que pôca cabeça tem tino pra entender. Serve pra cubá coisa redonda’, explicou, acrescentando: ‘Mas o que eu faço, vou ser muito honesto e sincero, é usar treis quando é pra comprar e quatro quando é pra vender.’ Logo substitui o 3,14 por 3 e multiplica, obtendo 2,38875. Na caderneta anota: pau-d’arco reto sem defeito – 2,3 metros."