Às vezes a ciência produz figuras que se tornam memes, como a dupla hélice do DNA. A pesquisa com psicodélicos já tinha um candidato, o diagrama comparando padrões de comunicação entre áreas do cérebro sob placebo e psilocibina, mas esse instantâneo icônico agora cede lugar para um vídeo que tende a viralizar.
Parece a imagem do caos, e de certo modo é. A animação produzida pelo grupo de Joshua Siegel na Universidade Washington em Saint Louis (Missouri, EUA) mostra o lado direito do encéfalo com as cores azul, verde, amarelo e vermelho a pulsar ritmicamente.
As duas primeiras, azul e verde, indicam atividade cerebral com placebo. As duas últimas, amarelo e vermelho, o aumento dessa atividade sob efeito da psilocibina, psicoativo de cogumelos ditos "mágicos", do gênero Psilocybe, substância em fase adiantada de testes clínicos para tratar depressão.
O primeiro ponto a destacar é que a psilocibina, como se vê, age sobre o cérebro todo. O outro, informa artigo publicado quinta-feira (18) na revista científica Nature, está no fato de essa alteração do funcionamento normal do órgão permanecer, em grau menor, semanas depois de dissipado o efeito do psicodélico.
Siegel interpreta seu filme como ruptura da rede de modo padrão (RMP, ou DMN em inglês), conjunto de áreas cerebrais sincronizadas quando a pessoa não realiza tarefa específica e se volta para a introspecção. É a rede que fica turbinada na ruminação, círculo de pensamentos negativos que assalta a mente de deprimidos.
Essa atividade mais caótica e a permanência de vestígios dela após o efeito agudo seriam indícios de que a melhora observada em pacientes tratados com psilocibina não decorre só de efeito placebo. Para Siegel, é uma janela que se abre para novas conexões neuronais e, possivelmente, ideias alternativas ao ciclo de ruminação.
Psicodélicos prometem novos tratamentos para transtornos afetivos muito aguardados por psiquiatras e psicoterapeutas. No caso da depressão, os remédios surgidos há meio século não trazem bons resultados para um terço dos pacientes, daí toda a expectativa com a aprovação da psilocibina, talvez em 2026 ou 2027.
Antes disso, porém, esperava-se o licenciamento nos EUA do MDMA (ecstasy) para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Seria agora no começo de agosto, quando a agência de fármacos FDA decidiria sobre o pedido da empresa Lykos Therapeutics, mas o que antes pareciam favas contadas foi engolido pelo caos.
Primeiro, uma organização independente, Icer, publicou avaliação negativa dos estudos da Lykos. Depois foi a vez de um comitê de consultores da FDA jogar água fria na terapia com MDMA para TEPT. Nos dois casos, apontaram-se má qualidade dos dados sobre eficácia e segurança e efeitos adversos, inclusive risco de abuso sexual.
Vários desses problemas foram levantados pela ONG Psymposia. Mesmo quem não concorda com os argumentos de críticos como Neşe Devenot e Brian Pace tem razões para se preocupar com os ataques que vêm recebendo de defensores da Lykos e sua promessa de tratar TEPT de veteranos das muitas guerras dos EUA.
Tudo indica que a psicoterapia com MDMA se viu capturada pela polarização entre direita e esquerda. Psymposia pode ter exagerado nas denúncias contra a Lykos, mas a ONG não detém o mesmo poder de fogo da associação de ex-combatentes Heroic Hearts ou do deputado republicano Dan Crenshaw, por exemplo.
Crenshaw acusou Devenot e Pace de insultar veteranos numa postagem vista por 23 mil pessoas na rede de Elon Musk. O magnata postou então que concordava com o parlamentar e teve mais de 17 milhões de visualizações.
Vindos da caótica direita norte-americana, e depois do atentado contra Donald Trump, esses ataques frontais acarretam riscos significativos para Devenot e Pace.