Perguntem aos moradores de Saramandaia, na periferia de Salvador, o que acham do ajuste fiscal. Seria bom também saber a opinião sobre o dólar a R$ 6,10 da parte dos pais de Amanda Max Teles da Silva, a menina baiana de 12 anos tragada por um bueiro na enxurrada.
Quem lê as manchetes no Brasil pode concluir que a coisa mais importante do mundo, hoje, é mau humor do mercado com a incapacidade do governo Lula de cortar mais algumas dezenas de bilhões de reais do orçamento. Não é.
Todo dia se veem nos noticiários de TV cenas de enchentes torrenciais no Brasil, na Inglaterra, em Uganda, na China, na Espanha... As questões que valem trilhões de dólares, e não de reais, estão postas pelo aquecimento global e os eventos extremos mortíferos que impõe ao clima da Terra.
Ocorre que essas perguntas de vida ou morte continuam sem resposta. Tonto de quem pensou que elas poderiam vir da COP29 em Baku, Azerbaijão, e do processo viciado de negociação que mais uma vez ali se encenou.
Os números falam por si. Países em desenvolvimento pressionavam para os mais ricos se comprometerem com desembolsos anuais de US$ 1,3 trilhão no custeio da adaptação de populações pobres a desastres que já são rotina. Conseguiram US$ 300 bilhões –meta por atingir até 2035, o que decerto não acontecerá.
Algumas comparações servirão para evidenciar o empenho diplomático em nada resolver nessas conferências. A enganação começou em 1992, na cúpula do Rio, e após mais de três décadas deveria estar claro que jamais chegará a algum lugar.
No caminho, em 2009, países desenvolvidos prometeram alcançar US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático até 2020. Nunca se chegou a tanto. Um relatório com assessoria da London School of Economics indicou que 80% dos países ricos não pagam a sua parte (França e Alemanha são exceções).
Eventos extremos, como inundações, secas, ondas de calor e incêndios florestais, implicaram perdas de US$ 200 bilhões anuais na década 2014-2023, totalizando US$ 2 trilhões, aponta outro relatório. Mais que o dobro da meta fajuta de 2020.
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Acredite quem quiser nos US$ 300 bi até 2035. Foi só da boca para fora que a declaração final do G20 no Rio incluiu uma frase admitindo que o financiamento para enfrentar tragédias climáticas precisa subir da escala de bilhões para trilhões.
Uma análise liderada por sir Nicholas Stern, que foi economista-chefe do Banco Mundial, calculou em US$ 6,3 bilhões a US$ 6,7 bilhões em 2030 o custo de amparar populações pobres atingidas. Algum técnico nas delegações do G20 deve ter lido e cometeu a imprudência de sugerir o trecho trilionário no comunicado.
A declaração do G20 no Rio evitou mencionar transição energética ou um termo à queima de combustíveis fósseis (citação que se desmilinguiu também na COP29). Se houvesse seriedade, explicitaria que os governos presentes subsidiam carvão, petróleo e gás à razão de US$ 7 trilhões anuais, segundo estimativa do FMI.
Em 2020/21, a pandemia de Covid fez governos sacarem US$ 9 trilhões. A crise financeira de 2008/09 sugou US$ 2 trilhões da Casa Branca. Para os flagelados do clima, como Amanda, falta dinheiro, mas pelo menos teremos a COP30 em Belém para fingir que vamos decifrar a esfinge do clima.