Opinião - Luciana Coelho: 'Um Espião Infiltrado', do criador de 'The Good Place', vê graça na velhice

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Desde "The Office" e sobretudo em "The Good Place", da qual foi showrunner, Michael Schur dosa muito bem as piadas ácidas sobre a estupidez humana com certa ternura em relação a como essas falhas nos fazem exatamente quem somos. Essa habilidade de criar personagens complexos e apresentá-los de forma leve —jamais condescendente— marca "Um Espião Infiltrado", da Netflix.

A série, que traz Ted Danson como um viúvo contratado para se infiltrar em uma residência de idosos e desvendar um crime, estreou no fim do ano passado e já tem uma segunda temporada prevista.

A maior parte da carreira de Danson navegou confortavelmente no papel de galã com um quê canastrão. O porte altivo e a cabeleira farta seguem firmes; a idade, porém, trouxe algum cinismo e ironia sobre essa versão (o que, para alegria do público, ele frequentemente usa em seus personagens, inclusive na versão para as telas de si mesmo em "Segura a Onda").

O viúvo Charles de "Um Espião Infiltrado" talvez por isso traga muito do Michael que ele encarnou em "The Good Place" (atente para a aparição de Janet no fim). Ambos são figuras empedernidas que se veem repentinamente rodeadas de amigos por causa de uma nova missão, e isso os torna mais humanos, falíveis e cientes.

Pode soar meio transcendental, mas quem acompanha Schur (ele fez o esquisito primo Moses de Dwight em "The Office", da qual foi roteirista) sabe que seu texto ganha corpo em situações prosaicas e no que há de mais mundano na vida. Invariavelmente, são histórias que começam meio nonsense e despretensiosas, até que subitamente fisgam a plateia com um misto de ternura e ideias existenciais.

Assim transcorre essa comédia à moda antiga, de oito episódios curtos no timing de quando as pessoas ainda viam TV aberta, sob a premissa de um "whodunnit" (um mistério sobre um crime) entre septuagenários que desemboca em um conto bonito sobre amizades e propósitos na terceira fase da vida, quando precisamos conviver com limitações e a própria finitude.

O script não é condescendente, e por isso a série entrega um otimismo palpável. Envelhecer pode ser bonito, e também difícil e frequentemente solitário.

A relação entre pais e filhos, que nessa fase passa por uma inversão de papéis para a qual nem sempre se está preparado, é tratada com sutileza, afeto e silêncios por meio do laço entre Charles e a filha Emily (Mary Elizabeth Ellis).

No lar de idosos que o viúvo passa a frequentar para desempenhar sua missão, os funcionários são comprometidos com o bem estar dos pacientes e os dias muitas vezes são divertidos, o que pode parecer utópico. Há também morte, doença, abandono e medo, elementos que o personagem-título até então evitava confrontar.

Os velhos de "Um Espião" não são infantilizados nem caricatos. Podem ser mesquinhos, ranzinzas, queridos e nostálgicos. Têm tesão, gostam de atividades pouco saudáveis, erram e querem ser felizes.

Assim como "O Método Kominsky", com Michael Douglas, havia feito uns anos atrás, a série tem melancolia, quase nunca amargor. Assim sem eufemismos, Schur encontra graça. E talvez seja esse mesmo, encontrar graça, um bom objetivo para a velhice.

Os oito episódios da primeira temporada de "Um Espião Infiltrado" estão disponíveis na Netflix

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