Suspendam o funeral da "era de ouro da TV", ao menos por ora. "Ruptura" volta ao ar nesta sexta-feira (17) com o mesmo poder hipnótico demonstrado em sua primeira temporada, há quase três anos, para instalar uma torre corporativa no seu cérebro.
Sim, o hiato tão longo atrapalha. É fácil lembrar a trama desta série da Apple TV+ (funcionários da empresa Lumon usam um chip que separa sua personalidade extra-escritório, chamada de "outie", daquela conhecida como "innie", que trabalha em tarefas repetitivas de propósito ignorado; com o tempo, um grupo se rebela contra sua condição alienante). É improvável, contudo, reter detalhes vistos em 2022.
Então, considere rever ao menos parte da temporada anterior antes de embarcar nas novas desventuras de Mark S. (Adam Scott), Helly R. (Britt Lower), Dylan G. (Zach Cherry) e Irving B. (John Turturro), agora sob a tutela do sr. Milchick (Tramell Tillman), pois a temível Harmony Cobel (Patricia Arquette) foi demitida após seus subordinados se insurgirem e tentarem expor podres da empresa.
Com Milchick promovido, ele agora tem uma subgerente, a srta. Huang (Sarah Bock), uma menina de não mais de 12 anos imbuída de todo o espírito da criança-coach. Em seu visual retrofuturista que impossibilita localizar o enredo em uma época muito específica, "Ruptura" é um petardo de ironia sobre nossos tempos atuais.
A Lumon captura o motim do departamento de "refinamento de microdados" que concluiu a primeira temporada e o usa para fazer propaganda, dizendo-se uma empresa justa, que ouve seus funcionários e corrige seus erros. Ou, em corporativês, a revolta interna vira um baita "storytelling" para o "rebranding" da empresa.
Essa mudança de eixo se reflete também nas ambições do roteiro, e os intermináveis corredores brancos e assépticos da firma já não comportam toda a história criada pelo showrunner Dan Erickson e coimaginada pelo diretor e produtor Ben Stiller. Há mais ação lá fora.
Se no primeiro ano o protagonista Mark era o único cujo "outie" tinha direito a prólogo, o de que o chip era um escape para sua viuvez precoce, agora seus colegas merecem mais do que um vislumbre no mundo exterior.
Com isso, se avolumam os conflitos entre as duas personalidades de cada um, especialmente no caso de Helly, alvo de uma revelação no último episódio de 2022. Difícil é saber qual é o ego e qual é o superego.
Dizer mais do que isso sobre o enredo poderia estragar surpresas, o que esta coluna não faz. É seguro, no entanto, afirmar que roteiro, direção, produção e atuação nesta segunda temporada continuam muito acima da linha de montagem do streaming atual.
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Na tentativa de aproveitar o hype, a Apple investiu pesadamente em promoção, tendo liberado acesso e montado um cubículo de vidro na principal estação de trem de Nova York e posto os atores para "trabalhar" ali, caracterizados como seus personagens. Trouxe o elenco principal à CCXP em São Paulo e criou sites para a empresa fictícia, além de material paralelo.
Se não estivesse em uma plataforma com tão poucos assinantes, "Ruptura" criaria o tipo de fenômeno gerado por "Lost" há 20 anos, em que debates e teorias sobre cada episódio eram passatempo tão sério quanto a série em si (só esperamos que o desfecho, neste caso, seja mais satisfatório). Ainda que isso aconteça entre os fãs, é em escala diminuta se comparada à da TV a cabo nos anos 2000.
Em entrevista ao New York Times, Ben Stiller deixa claro que a obra é fechada (o final já está escrito) e que ainda há uma ou mais temporadas por vir. Que até lá mais gente possa apreciar essa obra-prima.
O primeiro episódio da segunda temporada de "Ruptura" estreia nesta sexta-feira (17) na Apple TV+, e os nove seguintes chegarão ao ar semanalmente às sextas.